Avaliação de Competências na Escola: Instrumentos, Indicadores, Critérios, Conceitos

Avaliar é aferir em que medida um processo ou um estado de coisas está de acordo com o planejado, esperado ou desejado.

No caso da avaliação de competências, o foco está no desenvolvimento (processo) e na posse (estado de coisas), por parte dos alunos, das competências que a escola espera que aprendam. Ou seja: o foco está na comparação da efetiva aprendizagem dos alunos com as expectativas que a escola tem acerca dessa aprendizagem.

A principal dificuldade na avaliação de competências está no fato de que, muitas vezes, é difícil, ou até mesmo impossível, observar diretamente se um aluno está desenvolvendo ou já possui determinada competência, porque esta não é diretamente observável ou não é fácil observá-la. É relativamente fácil observar se uma pessoa possui a competência de, digamos, andar de bicicleta. A competência de dirigir um automóvel, porém, é mais complexa, requerendo mais observações, talvez por um período mais prolongado. Mas não é fácil observar se uma pessoa possui a competência de, digamos, pensar criticamente. Nesse caso, procura-se definir operacionalmente a competência em questão (pensar criticamente), e especificar indicadores que apontem para o desenvolvimento ou para a posse dessa competência. Indicadores típicos nesse caso seriam:

· A capacidade de apresentar e analisar evidências e argumentos em favor de determinados pontos de vista, ou contrários a eles, e julgar seus méritos;

· A capacidade de adotar idéias, atitudes e comportamentos que vão contra a corrente e de defendê-los diante de críticas;

· A capacidade de não se deixar influenciar por propaganda comercial ou política, ou por outras tentativas de direcionamento de crenças, atitudes e comportamentos, de manipulação ou de proselitização.

Cada uma dessas capacidades seria um indicador parcial da posse ou do desenvolvimento da competência de pensar criticamente. O conjunto delas seria, talvez, um indicador razoavelmente completo da competência.

Para usar um exemplo de outra área, é difícil – quiçá impossível – observar diretamente o estado da saúde da população num determinado lugar e tempo. Por isso definem-se indicadores de saúde. A mortalidade infantil (número de crianças nascidas vivas que morrem antes de completar um ano de idade para cada mil nascimentos) é geralmente considerada um indicador parcial confiável da saúde da população.

Dada essa sua natureza, há algumas características básicas que indicadores devem possuir:

· Eles devem ter relação relevante, pertinente e, se possível, evidente com aquilo que se deseja avaliar (i.e., com aquilo para que apontam ou de que são indicadores);

· Eles devem ser mais claros, precisos e mensuráveis do que aquilo que se deseja avaliar (i.e., do que aquilo para que apontam ou de que são indicadores);

· Eles devem ser de tal natureza que é possível obter informação confiável sobre eles através de instrumentos adequados.

Mas a especificação de um indicador, ou mesmo de um conjunto de indicadores, não é suficiente para a avaliação… É preciso também especificar, para cada indicador, uma série de critérios. No caso da mortalidade infantil, é preciso detalhar qual o intervalo em que se situam taxas aceitáveis e inaceitáveis de mortalidade infantil (assumindo que zero seria a taxa mais aceitável, mas dificilmente realista). Pode-se, por exemplo, dizer, como se faz em países desenvolvidos, que uma taxa de até 10 crianças que morrem com menos de um ano de idade para cada mil nascimentos vivos é aceitável – mas que qualquer coisa acima disso é inaceitável. No caso da avaliação de competências, critérios especificam em que medida um determinado indicador deve estar presente para que se possa concluir que a competência em questão está, digamos, plenamente desenvolvida, suficientemente desenvolvida, parcialmente desenvolvida, não desenvolvida…

Por fim, rótulos como “plenamente desenvolvida”, “suficientemente desenvolvida”, “parcialmente desenvolvida”, “não desenvolvida”, quando aplicada a competências, são conceitos possíveis para designar os diferentes estágios de desenvolvimento ou de posse de determinada competência.

1. RUBRICAS E INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO

O que chamamos de rubrica de uma avaliação é o conjunto de indicadores, critérios e conceitos usados para avaliar o desenvolvimento ou a posse de determinada competência.

As Rubricas de Avaliação de Competências são, por conseguinte, ferramentas criadas com o intuito de direcionar o foco do processo destinado a avaliar se um aluno já possui (estado) ou está desenvolvendo (processo) determinada competência. Essa ferramenta auxilia os educadores na definição de indicadores, critérios e conceitos utilizados na avaliação, tornando o processo de avaliação de competências mais objetivo (menos subjetivo), coerente e consistente.

Não devemos, porém, confundir a rubrica com o instrumento de avaliação. Mas é verdade que rubricas geralmente estão associadas a instrumentos específicos de avaliação. Instrumentos de avaliação são as ferramentas ou os mecanismos que nos permitem coletar as informações relevantes aos indicadores especificados.

Os principais instrumentos de avaliação de competências são a observação e a conversa com o aluno. Por meio da observação e da conversa, normalmente, os educadores coletam informações que lhes permitem aferir o desenvolvimento de competências pelos alunos. O registro rigoroso dessas informações é fundamental para o processo de avaliação.

Eventualmente lança-se mão também de outros instrumentos de avaliação, como textos elaborados pelos alunos, trabalhos de outra natureza (desenhos, quadros, esculturas, maquetes, etc.) que eles realizem, questionários, e até mesmo provas. Independentemente do instrumento de avaliação utilizado, porém, as Rubricas de Avaliação de Competências devem ser utilizadas para tornar o processo de avaliação de competências mais efetivo.

2. A ELABORAÇÃO DA RUBRICA DE AVALIAÇÃO DE COMPETÊNCIAS

Abaixo se encontra um exemplo de Rubrica de Avaliação:

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Uma vez definida essa rubrica, ela poderá ser entregue aos próprios alunos (para sua auto-avaliação), e eventualmente a outras pessoas que participem do processo de avaliação, como, por exemplo: outros professores que estão desenvolvendo um projeto em conjunto; funcionários da escola, quando se quer avaliar aspectos em que os funcionários que acompanham os alunos nos diversos espaços da escola têm uma visão mais privilegiada; e até mesmo os pais, caso se queira avaliar aspectos em que os pais têm uma visão mais privilegiada. Isso permite uma maior coerência na avaliação coletiva, pois todos terão o mesmo foco.

As rubricas devem acompanhar os envolvidos na avaliação durante todo o desenvolvimento do projeto, desde o momento do planejamento, até a sua conclusão.

Isso inclui, naturalmente, os alunos, que deverão saber, antes de iniciar os projetos, em que aspectos serão avaliados e com que critérios. Portanto todos os alunos deverão estar de posse das rubricas que orientarão o processo de auto-avaliação, desde o início do projeto.

3. O FORMULÁRIO PARA A ELABORAÇÃO DA RUBRICA

O documento apresenta basicamente cinco partes:

 

A. Cabeçalho:

Identificação: nome da escola, data, nome do educador e série.

 

B. Competência:

Descrição da competência a ser avaliada. Essa competência poderá estar acompanhada de uma explicação que a detalhe mais (definição operacional), especialmente nos instrumentos que serão utilizados pelos alunos, em sua auto-avaliação. A competência é o foco principal desse instrumento de avaliação. Todos os registros que seguem estarão relacionados a ela.

 

C. Indicadores:

Especificação dos aspectos que deverão ser considerados na avaliação da competência. Imaginemos, por exemplo, dentro da competência mais geral e abrangente “Relações Interpessoais”, a competência mais específica “Desenvolver valores, posturas e atitudes positivas” é desdobrada nas seguintes competências ainda mais específicas: “Reconhecer igualdade de direitos”, “Colocar-se no lugar dos outros”, etc..

Para cada uma dessas competências os indicadores podem ser “Opiniões que os alunos manifestam sobre o assunto”, “Posturas que exibem em situações de conflito”, “Atitudes que assumem em situações em que outras pessoas têm seus direitos desrespeitados”, etc.

 

D. Critérios:

Esse campo é fundamental dentro do processo de avaliação de competências e é, possivelmente, o mais complexo de todos. Entretanto é o que mais garante a consistência da avaliação. Esse campo deve indicar os critérios que serão utilizados, em relação a cada indicador, para se aferir o nível de desenvolvimento da competência em questão.

Seguindo o exemplo acima, os critérios em relação ao indicador “Opiniões que os alunos manifestam sobre o assunto” poderiam ser “Respeita os direitos dos outros e procura se colocar no lugar dos outros”, “Admite que em alguns casos todos tenham os mesmos direitos, e nesses casos, se coloca no lugar dos outros”, “Concorda que deve tentar se colocar no lugar dos outros, mas não reconhece que todos têm os mesmos direitos”, e finalmente, “Não concorda que todos devam ter os mesmos direitos, e não acredita que deva se colocar no lugar dos outros”.

Em relação ao indicador “as posturas que os alunos exibem em situações de conflito” os critérios poderiam ser “Procura se colocar no lugar dos outros, reconhecendo os direitos iguais”, “Embora se esforce, não consegue respeitar os direitos dos outros e se colocar no lugar dos outros”, “Não se esforça suficientemente para respeitar os direitos dos outros e se colocar no lugar dos outros”, e “Desrespeita o direito dos outros, e não se coloca no lugar dos outros”. E assim por diante.

 

E. Conceitos:

Deve-se escolher, como conceitos, os termos que melhor representem o nível de desenvolvimento do aluno em relação à competência em questão. Por exemplo, podem ser adotados, em relação ao desenvolvimento de determinada competência, conceitos como os mencionados atrás: “plenamente desenvolvida”, “suficientemente desenvolvida”, “parcialmente desenvolvida”, “não desenvolvida”. Ou é possível adotar conceitos mais criativos, como “aprendiz”, “profissional”, “mestre” e “expert”. Pode-se, ainda, adotar ícones mais lúdicos, como “smiles”, especialmente na auto-avaliação de crianças.

4. CONCLUSÃO

Como já foi dito, o educador poderá organizar uma ferramenta dessas para cada competência que deseja avaliar. Na maioria das vezes as competências, os indicadores, os critérios e os conceitos serão os mesmos para todo o grupo de alunos. Entretanto, esse formato flexível permite que o educador defina competências, indicadores, critérios e conceitos específicos para os alunos de um mesmo grupo, de acordo com suas características e necessidades individuais.

O educador pode, ainda, definir junto dos alunos os indicadores, critérios e conceitos que serão utilizados no processo de auto-avaliação.

Recomenda-se diminuir a quantidade de competências a ser avaliada em cada aluno. Não será possível realizar uma avaliação consistente se não houver foco. Avaliar um menor número de competências em geral é avaliar melhor.

Paloma Epprecht e Machado

paloma@edutec.net 

25 de Abril de 2009

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15 comentários sobre “Avaliação de Competências na Escola: Instrumentos, Indicadores, Critérios, Conceitos

  1. Parabéns, Paloma, pelo seu trabalho. Você foi muito precisa e clara. Muito, bom, muito bom.
    Irani

  2. Paloma, seu texto foi muito útil. A partir dele pude começar a compreender o que de fato seja Rubrica e como utilizá-la na avaliação.
    Susane Martins
    Pedagoga

  3. Republicou isso em Blog de Fatima Amarale comentado:
    Encontrei o termo rubrica em um infográfico publicado no Blog de Gesvin, pensei, a princípio, que o termo era utilizado por se tratar de uma publicação na língua Espanhola. Agora achei este post que traz além do significado informações valiosas para a construção de rubricas.

  4. Prezada Paloma:
    Meu nome é Lúcia Marques. Eu considero a avaliação por competências maravilhosa. Por que há tanta resistência e críticas por parte de professores?

    • Olá, Lucia. Obrigada por seu comentário.

      Penso que a resistência e as críticas não são tanto em relação à avaliação de competências, mas às competências propriamente ditas. Há um entendimento (equivocado em minha opinião) de que as competências estão relacionadas a uma concepção tecnicista de educação, que compreenderia a educação como um processo meramente utilitarista, de preparação para o trabalho. Há, ainda, o que eu considero outro equívoco, uma visão que associa as competências a uma ideologia supostamente (neo)liberal.

      Sobre o utilitarismo, acredito que não faz muito sentido essa visão, uma vez que, quando se fala em competências na educação, não se trata apenas de competências “úteis”, ligada ao mundo do trabalho, à especialização de mão de obra (embora existam competências ligadas a essa área). Trata-se, também, de competências pessoais, e de competências interpessoais, por exemplo, que embora também úteis no mundo do trabalho, vão muito além do mero utilitarismo… São capacidades importantes que auxiliam as pessoas a sonharem seus próprios sonhos, e trabalhar para transformá-los em realidade!

      Já em relação à suposta ideologia (neo)liberal, é importante lembrar, como disse o prof. Nilson José Machado, da USP, que a palavra competência, que tem sua origem na palavra competere (buscar, junto com os outros, acordo, “com-petição”), quando utilizada no contexto corporativo, tem um sentido, mas no contexto educacional, tem outro. Isso porque quando o que se busca é um recurso finito, limitado, como o lucro, a riqueza, por exemplo, na competição, o primeiro que chegar recebe esse recurso, enquanto os demais, ficam sem… Mas no contexto educacional, em que se busca o conhecimento, não ocorre esse problema, porque o conhecimento é um recurso ilimitado, que não se acaba. Quanto mais se compartilha, mais se tem. Portanto, na competição por conhecimento, todos que o alcançam, independentemente da posição, o recebem. Além disso, penso que essa discussão ideológica do termo competência tem que ver com o que Maria Amélia Goldberg chamou de “hiperpolitização”. A hiperpolitização “não consiste apenas na afirmação de que todos os problemas humanos, inclusive os íntimos, possuem uma dimensão política, mas que se definem essencialmente por essa dimensão”. Em outras palavras, o problema não está em analisar o termo competência levando em consideração a dimensão política implícita nele, mas em fazer essa análise exclusivamente a partir de uma dimensão política, como se não houvesse outras dimensões possíveis de análise.

      Enfim, quando o ranço com as competências for superado, a discussão sobre avaliação de competências atingirá outro patamar.

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