Queridos pai e mãe…
Há mais de dez anos fiz um curso na Igreja onde aprendi sobre uma tradição do povo judeu de escrever uma carta de honra a pessoas importantes em sua vida.
Desde então decidi que escreveria uma carta de honra a vocês. Procurei imaginar uma data especial em que eu entregaria essa carta, como uma celebração de Bodas, ou outra ocasião em que pudéssemos reunir o maior número possível de parentes e amigos, para que eu pudesse honrá-los diante dessas pessoas que são importantes a vocês.
Sinceramente eu não sei que tantas coisas me mantiveram ocupada nos últimos dez anos, mas o fato é que eu nunca cumpri o que havia decidido.
O tempo nem sempre é generoso, e, às vezes, o adiamento de planos significa a impossibilidade de concretiza-los. Mas, felizmente, o tempo está sendo generoso comigo, e está me dando uma oportunidade de escrever esta carta a vocês hoje.
Com o advento das redes sociais, eu não preciso mais de um evento para ter a oportunidade de reunir uma grande quantidade de familiares e amigos. Hoje estamos todos conectados. Por isso esta carta é pública.
Sou muito grata a Deus por Ele ter me escolhido para ser filha de vocês dois. Tenho lembranças sempre muito felizes ao lado de vocês.
Lembro-me da Dora, nossa vizinha, certa vez me dizer que eu era privilegiada, pois eu nunca ouvia meus pais brigarem um com o outro. Realmente… É até difícil imaginar como deve ser difícil ser criança em um lar onde os pais vivem em pé de guerra… Imagino que vocês tivessem os desentendimentos de vocês, mas acho que a hora do banho era a hora de acertar as contas, de forma discreta, sem expor os filhos a conflitos que pertenciam só a vocês. Obrigada por esse cuidado.
Sei que a vida não foi fácil para vocês, mas sei o quanto vocês se dedicaram para nos proporcionar uma vida confortável, com direito a realização de sonhos…
Lembro-me dos presentes do “Papai Noel”, em que escolhíamos na vitrine de Natal do Mappin aquele que era o desejo do nosso coração, e vocês não mediam esforços para atende-lo, parcelando, muitas vezes, durante um ano inteiro o pagamento daquele sonho…
Adorava ser surpreendida durante a madrugada, quando dormia na minha cama, e acordava dentro do carro, indo viajar para alguma praia ou camping, vendo o sol nascer na estrada. Vocês nos carregavam com carinho, mesmo quando já éramos bem pesadas (hoje eu sei que filhos não são leves como plumas… ). E ainda hoje eu posso ver o brilho nos olhos de vocês ao ver nossa alegria naqueles momentos… Isso é amor.
E as cantorias? Foram tantos momentos felizes, cantando um repertório delicioso de músicas, no carro ou na banheira: “Aqui vive alegre pessoal, família bem original, um pai, uma mãe, uma irmã, outra irmã, e o bebê tão miudinho e gentil…”, “O mundo gira depressa, e nessas ondas eu vou…”, e por aí vai…
Lembro-me de alguns momentos difíceis, quando você, mãe, arrumava formas de ganhar dinheiro, vendendo roupas usadas, vendendo produtos de catálogo “Stanley”, e tantas outras situações de sacrifício. Você também, pai, sempre se esforçou em seu trabalho, e às vezes, em seu próprio negócio, como o Lava-Rápido onde eu passava as minhas tardes, tentando adivinhar qual era o carro que ia passar, só pelo som do motor dele se aproximando… Tudo se tornava divertido quando estávamos juntos.
Hoje, mais do que nunca, eu sei o que representou para você, mãe, parar de trabalhar durante dez anos, só para cuidar de mim e da Patricia. Quero que saiba que sou muito grata a você por isso. Tive o privilégio de estar com você em minha primeira infância. Um momento tão importante para a formação de valores… Tenho tanta consciência da importância disso, que procurei fazer o mesmo pelas minhas filhas…
Lembro-me quando, no final do dia, resolvíamos fazer uma surpresa para o pai quando ele estava chegando do trabalho. Colocávamos três bonecas na cama, no lugar em que costumávamos ficar sentadas, e nos escondíamos… Ele, então, entrava em casa e dava de cara com as bonecas, e nós três aparecíamos e dávamos muita risada…
Mesmo depois que você voltou a trabalhar, estava sempre por perto, cuidando da gente… Sempre admirei sua capacidade profissional. Além de pontual, você sempre foi muito responsável com as atribuições inerentes ao seu trabalho. Aprendi sobre isso com você.
Com você, pai, aprendi que a vida precisa ser leve… Não faz sentido passar a vida longe da família, sob o pretexto de que temos de prover as necessidades da própria família. Nossa presença é mais importante. E você sempre foi muito presente.
Sempre me orgulhei de você, por ser uma pessoa divertida, bem humorada, e muito inteligente. Quando você passou duas vezes em primeiro lugar no concurso do Banco do Brasil em Ubatuba, você só mostrou para as outras pessoas isso que eu já sabia. Você é uma pessoa com a qual se pode conversar sobre qualquer assunto, e eu admiro muito isso em você…
Quando eu vejo o quanto meus primos gostam de você, eu penso como sou privilegiada por ser sua filha, e por poder conviver com você muito mais do que eles.
Você é, também, um exemplo de generosidade, pai… Quantas vezes você via uma família num ponto de ônibus, quando um temporal estava se armando, e parava, convidava as pessoas para entrar no carro (às vezes um fusquinha que mal comportava nós quatro), eu e a Patricia nos espremíamos no “bauzinho” de traz, e você levava a família até a porta de sua casa, que muitas vezes era totalmente fora da nossa rota. O que movia você a fazer isso, senão o amor e a generosidade?
Pai e mãe, vocês me ensinaram valores muito importantes, que fazem parte de mim, sem os quais eu não me reconheço. Justiça e honestidade, bondade e responsabilidade, amor e respeito, humildade e esforço são alguns deles. Obrigada por me ensinar, não com palavras, mas por meio do exemplo de vida de vocês, essas coisas.
Mas o melhor presente que vocês me deram, que eu considero a herança que vocês já me deixaram em vida, é a fé e o temor a Deus. “Ensina a criança o caminho que deve andar e ainda quando for velho, não se desviará dele.” Provérbios 22:6.
Vocês levaram esse versículo a sério… Quantas vezes pegamos o ônibus na Dutra e depois o metrô, para ir até a igreja, ou na Metodista da Água Fria, ou na Metodista Central… O convívio com a palavra de Deus fez toda a diferença em nossa formação… Apesar das falhas e limitações, se hoje estou de pé, acolhida pelo amor de Deus, é graças às sementes que vocês possibilitaram que fossem plantadas no fundo do meu coração. Obrigada!
Quero que saibam que eu amo vocês, e tenho o maior orgulho de carregar os sobrenomes Epprecht e Machado. Quero que saibam que eu me preocupo com vocês e sinto-me impotente, muitas vezes, pois gostaria de estar mais perto para ajuda-los quando vocês precisam de ajuda.
Que Deus os abençoe cada vez mais…
Beijos…
Paloma
Em São Paulo, 31 de Agosto de 2014.
[Publicado originalmente, no Facebook]