A Questão da Progressão Continuada na Educação

Encontrei um link para uma reportagem, no Facebook, cujo título era: “Cidade no sertão acaba com progressão continuada e vira modelo de educação no Brasil”.

O curioso é que a reportagem listou uma série de medidas interessantes tomadas pela Prefeitura de Sobral, no Ceará, para melhorar a qualidade da educação em seu município, mas o fim da progressão continuada não foi sequer mencionado…

Não vou, nesse momento, discutir as estratégias que muitas escolas do Brasil, inclusive de Sobral, têm adotado para se sair bem em avaliações externas que se propõem a medir a qualidade da educação. Vou me ater à questão da progressão continuada que já é controversa o suficiente para render um post. Também não irei me aprofundar nesse assunto, mas apenas levantar algumas questões.

Vejo muitos problemas na forma como o sistema de progressão continuada está implantado, mas a proposta, em si, na minha opinião, está muito longe de ser ruim. Na verdade, é muito boa!

Sou de uma época em que os níveis de evasão escolar eram absurdos! Dos 100% de alunos que ingressaram comigo na antiga 1a série do 1o Grau, apenas 6% concluíram a última série do 2o Grau! Se fossem feitos testes como o ENEM, naquela época, certamente os resultados seriam muito bons! O nível intelectual constatado desses alunos seria bem elevado! Afinal, eles sobreviveram a um processo de seleção rigorosíssimo, e se mostraram mais aptos, ao melhor estilo darwiniano.

O problema está nos 94% dos alunos que ficaram pelo caminho. Certamente sua ausência serviria para não prejudicar os resultados positivos das avaliações externas, se estas fossem realizadas. Mas alguém parou para pensar que eles foram excluídos do sistema de ensino, em alguns casos, muito cedo, e por isso, pagaram, e ainda pagam, junto com a sociedade, um alto preço?

Não que eu acredite que a escola seja o único lugar em que nos preparemos para a vida e para o trabalho (aliás, talvez a escola seja o lugar em que menos aprendamos coisas de fato importantes para a vida e para o trabalho), mas a escolaridade ainda é um critério importante de seleção no mercado de trabalho. O fato de uma pessoa ter menos escolaridade se traduzirá, na grande maioria das vezes, em menos oportunidades e renda para ela, na sociedade em que vivemos. Por isso o prejuízo pessoal e social gerado quando os alunos se evadem da escola é muito maior do que quando eles concluem o Ensino Médio, ainda que com desempenho escolar inferior à média.

Notem que eu disse “desempenho escolar“. O conjunto de conhecimentos avaliados em provas como o ENEM e outras avaliações dessa natureza, na grande maioria dos casos, só tem relevância para a escola, ou para a instituição que a elaborou, e não para a vida. Quantos profissionais que você conhece precisam ter ótimo desempenho nas diversas áreas do conhecimento, como Química, Física, Biologia, Matemática, Língua Portuguesa, História e Geografia, além de línguas estrangeiras? Como você, que já é um profissional estabelecido no mercado, se sairia nessas provas?

Então, o que exatamente representariam os resultados de avaliações que excluíssem alunos que têm baixo desempenho, segundo os critérios de uma avaliação padronizada, centralizada, externa, tamanho único, distante das diversas realidades que compõem um país de dimensões continentais como o Brasil e que não consegue captar o desenvolvimento de diversas habilidades e competências importantíssimas para a vida real, fora da escola, fora dos vestibulares?

Nesse mesmo sentido, o que querem dizer os resultados das avaliações feitas hoje, com alunos que concluem o Ensino Médio graças ao sistema de progressão continuada, mas que não conseguem ter bom desempenho em todas as áreas do conhecimento?

Aliás, para que servem, afinal, essas avaliações externas, além de gerar rankings nacionais, acirrando a competição entre escolas privadas e até públicas, pautando o currículo de toda a educação básica, tornando-o inchado e cada vez menos relevante para a formação integral de seus alunos?

Em Salto, 03 de Janeiro de 2016

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