É preciso mudar, e agora?

A pandemia do coronavírus e o “novo normal” da educação, que vem se desenhando e será apresentado para nós em algum momento nos próximos meses, está exigindo de nós, educadores, muitas mudanças. Não se trata, apenas de fazer o que sempre fizemos presencialmente, agora a distância, o que já seria um desafio. Os mais experientes no uso de tecnologias, que são as primeiras pessoas a quem recorremos nesse cenário de caos, insistem em dizer que, além de lidar com o problema da distância física, temos de mudar a nossa concepção pedagógica e olhar para o processo de aprendizagem dos nossos alunos de uma maneira completamente nova!

Toda mudança já traz consigo um desafio. Grandes mudanças trazem grandes desafios. Quando essas mudanças precisam acontecer rapidamente, então estamos, realmente, diante de uma situação totalmente desafiadora. Este é exatamente o cenário que estamos vivendo hoje.

A boa notícia é que esta situação é transitória. A partir do momento em que fomos obrigados a sair do lugar ao qual estávamos acostumados e começamos a caminhar em direção a outro lugar, iniciamos um processo que teve um começo e terá um fim. O fim será um novo lugar onde, aos poucos, nos sentiremos confortáveis novamente. E isso vai acontecer mais adiante, acredite em mim.

Há cerca de quatro anos iniciei, junto de meus alunos e colegas do curso de Licenciatura em Química do IFSP Campus Capivari, um processo de mudança semelhante. É verdade que nós não fomos obrigados a mudar, naquela ocasião. Mudamos porque escolhemos mudar. Tomamos a decisão de iniciar um projeto de inovação, e ele era bastante disruptivo. Vínhamos todos, estudantes e professores, refletindo sobre a necessidade de mudar a partir da constatação de que o modelo de educação que reproduzíamos não se traduzia em aprendizagem de qualidade e, consequentemente, em transformação da vida das pessoas e da sociedade, como acreditávamos que deveria ser. Essa inquietação coletiva foi suscitada de diversas formas. Desde um grupo de estudos de pedagogias alternativas, que estava levando os professores a refletir seriamente sobre suas práticas havia alguns anos, até alguns processos de Design Thinking e alguns cursos voltados à reflexão sobre educação, que estavam mexendo com a cabeça de estudantes e professores no campus.

Constatar que o que fazemos não é bom, adequado ou suficiente, não é tão difícil. A maior parte dos professores e estudantes reconhece, com facilidade, que sua vivência na educação está muito aquém daquilo que poderia ou deveria ser. O problema é o que fazemos após essa constatação.

Em primeiro lugar, saber que algo não está bom não implica, necessariamente, em saber o que deve ser feito em lugar do que sempre foi feito. No nosso caso, conhecer experiências exitosas e teorias que as fundamentam foi essencial para entendermos que precisávamos mudar. Mas não sabíamos exatamente o que fazer, pois havia muitas possibilidades diferentes, e não dá para importar modelos prontos quando se fala de inovação em educação. Saber o que fazer, sem dúvida, era o primeiro desafio.

Mas o segundo e maior desafio era colocar um plano de mudança (qualquer que fosse) em prática. Parar de apenas querer fazer e fazer de fato. Agir. Sair do plano teórico e mergulhar na prática.

Esse passo é, de longe, o mais complicado. Primeiro porque nós temos medo (muito medo) de não dar certo, de não sabermos exatamente o que fazer quando os problemas começarem a surgir (e eles certamente aparecem). Temos medo até mesmo de não saber o que fazer antes de os problemas aparecerem! “Será que sabemos exatamente o que estamos fazendo?”, “Será que temos conhecimentos, habilidades e competências suficientes?”, são alguns dos questionamentos que insistem em surgir, sempre em tom desencorajador.

Mas, para além dos nossos medos, ainda precisamos enfrentar uma série de outras barreiras e limites externos, que dizem respeito a outras pessoas, à sociedade, às leis, à cultura de um modo geral. Sofremos pressões de todos os lados. Somos pressionados pelos estudantes, pelas famílias dos estudantes, pelos nossos gestores dentro da escola, pelos gestores de instâncias superiores, para além da escola, e até mesmo pelos nossos pares, que se incomodam quando algum colega começa a fazer o que eles chamam de “inventar moda”, ou “querer aparecer”…

Dar o primeiro passo no caminho desconhecido é muito desconfortável. Na verdade, em experiências de inovação, por mais que planejemos com antecedência, que calculemos riscos, que tentemos antecipar os problemas, o fato é que sempre teremos de lidar com situações completamente novas, inesperadas, e com a sensação de que, em diversos momentos, sequer haverá caminho sob os nossos pés. Teremos de dar o passo e torcer para que o caminho surja debaixo deles.

Mas enfim, juntos, de forma coletiva, demos o primeiro passo ainda no final de 2016, quando planejamos, junto com os estudantes do quarto semestre do curso de Licenciatura em Química, como deveria a ser a escola ideal, coerente com uma concepção que entende que cada estudante é singular, que tem seus interesses, talentos, estilos e ritmos de aprendizagem, mas ao mesmo tempo é um ser social, que se constrói na relação com o outro.

Inspirados em experiências como as da Escola da Ponte, de Portugal, e do Projeto Âncora, da cidade de Cotia, em São Paulo, criamos o que seria um projeto piloto, para acontecer em uma disciplina no início do ano seguinte, mas que acabou se transformando em um projeto de inovação do curso inteiro.

O foco central do projeto era o tão falado deslocamento do estudante, da periferia para o centro de seu processo de aprendizagem. Naturalmente isso implicou em uma mudança no papel do professor, que não poderia mais ocupar aquele espaço agora ocupado pelo estudante. Ao reinventar o papel do estudante, tivemos de reinventar o nosso próprio papel.

Em vez de aulas e provas, o trabalho pedagógico passou a se organizar em torno de aprendizagem por investigação ou aprendizagem baseada em projetos. Isso significa que, ao chegar ao campus, todos os dias, os estudantes não iam mais para as salas de aula assistir aulas, mas iam para diversos espaços diferentes, incluindo laboratórios de química, laboratórios de informática, biblioteca, espaço maker, auditório, pátio, refeitório e até mesmo… salas de aula. Enfim, o espaço que fosse mais adequado para o desenvolvimento das atividades planejadas.

Outra mudança importante, foi que, em vez de nós professores planejarmos o que os estudantes aprenderiam ou fariam a cada dia, eram os estudantes que faziam esse planejamento.  Mas cada estudante tinha um plano diferente, de acordo com aquilo que ele queria aprender em um intervalo de tempo que ele mesmo definia. Até mesmo a forma como ele iria aprender era escolhida por ele.

Para viabilizar essa descentralização do planejamento, nós criamos juntos, estudantes e professores, um instrumento que chamamos de “nuvem de objetivos”. A partir da leitura crítica do Projeto Pedagógico do Curso, em especial dos Planos de Ensino de cada disciplina, com suas ementas, objetivos e conteúdos, nós definíamos juntos quais seriam os objetivos básicos, que todos os estudantes deveriam atingir ao longo do semestre, e quais seriam opcionais, isto é, em que os estudantes que quisessem poderiam se aprofundar.

Nós incluímos, ainda, nessa nuvem, alguns objetivos chamados não cognitivos, relacionados à área socioemocional, e também ligados ao desenvolvimento da autonomia dos estudantes. Estes últimos objetivos seriam desenvolvidos com o apoio dos professores, não como especialistas em uma área do conhecimento, como de fato éramos, mas como orientadores. Para isso, dividimos pequenos grupos de estudantes para cada professor, e esse professor acompanhava os estudantes mais de perto, apoiando em seu planejamento e no desenvolvimento de sua rotina.

Para dar uma ideia de como as inovações mudaram radicalmente os papéis dos professores e estudantes nesse novo formato, não fazia mais sentido o professor ter um plano de ensino e nem mesmo um diário de classe com uma lista de chamada. Em lugar disso, cada estudante construiu seu próprio roteiro de aprendizagem, seu planejamento diário e fazia o seu próprio controle de presença. Sim, o controle de presença era feito pelos estudantes, que registravam em uma planilha o horário de chegada e de saída. Afinal, falamos tanto em autonomia, mas normalmente controlamos os estudantes de tal forma que não deixamos, sequer, que eles controlem sua própria frequência!

Também não fazia mais sentido uma prova ou outro formato de avaliação definido pelo professor para verificar se os estudantes aprenderam ou não. A avaliação estava a serviço deles, logo eram eles que solicitavam ser avaliados, quando considerassem que já tinham atingido determinado objetivo. E a forma como seria feita essa avaliação também era definida em conjunto, de acordo com o estilo de cada estudante.

Ao perceberem que a aprendizagem era um processo deles, que poderia acontecer em qualquer espaço, e não somente dentro da sala de aula, fomos questionados pelos estudantes sobre a necessidade de manter um modelo de educação presencial diário. Ora, se eles poderiam aprender sozinhos, ou em pares, ou em pequenos grupos, porque precisariam se deslocar diariamente de suas casas, muitas vezes em cidades mais distantes, para ir ao campus? Confesso que, ao refletir sobre aquela pergunta, não consegui encontrar uma justificativa, que não a limitação burocrática imposta por um modelo de curso classificado como “presencial”. É lógico que, em vários momentos, eles teriam de estar no campus para o desenvolvimento de atividades coletivas ou até mesmo para utilizarem os recursos que eles tinham disponíveis lá, como os laboratórios de química, por exemplo. Mas eu sabia que, na prática, isso não aconteceria todos os dias, e que nos dias em que eles precisassem apenas de livros, ou de acesso à Internet, eles poderiam, muito bem, permanecer em casa, desde que tivessem acesso a esses recursos lá. E a grande maioria dos estudantes tinha.

Veja que surpresa o destino reservou para nós… Três anos depois, a pandemia não apenas permitiu, mas os obrigou a ficar em casa. E, de repente, esse modelo de educação, que era tão disruptivo, pode passar a se tornar o padrão, o “novo normal” da educação daqui a algum tempo…

O projeto sofreu muitas mudanças desde o seu início efetivo, em fevereiro de 2017. Mudanças que podem ser vistas como avanços ou retrocessos, a depender da lente que se usa. Era parte da proposta, afinal, que o projeto passasse por um constante processo de ajuste e aperfeiçoamento, feito de forma coletiva, construído a várias mãos, com toda a complexidade envolvida em processos democráticos.

Entretanto, de tudo o que vivemos, podemos dizer, primeiro, que com muito estudo, esforço coletivo e vontade de fazer, nós conseguimos construir um projeto de inovação de verdade, que, neste momento, tem sido objeto de estudo de pelo menos quatro pesquisas de Doutorado. É um projeto cheio de falhas e de necessidades de ajustes, que vêm acontecendo até hoje, mas conseguimos.

Em segundo lugar, e aqui está a nossa principal conquista, podemos dizer que tiramos esse sonho do papel e partimos para ação. Não apenas vencemos pressões e limites externos, inclusive normas e leis, mas especialmente vencemos nossos próprios limites, medos, inseguranças. Enfrentando todo tipo de oposição, saímos da nossa zona de conforto, rumo ao desconhecido e chegamos até aqui.

Se valeu a pena? Sem dúvida! Especialmente agora, nesse momento de pandemia, podemos olhar para trás, constatar o quanto avançamos e dizer que estamos mais bem preparados para lidar com o “novo normal”.

Em Salto, 22 de junho de 2020.

Paloma Chaves

Publicidade

Matética: A Arte de Aprender

Enquanto estava elaborando o “Plano de Ensino” de uma das disciplinas que ministrarei a partir do início do ano letivo de 2016, no IFSP – Campus Capivari (a saber, História da Educação e Psicologia da Educação), fui provocada pelo meu marido e mentor Eduardo Chaves, e estou pensando nisso até agora…

Não me considero uma professora tradicional. Pelo contrário. No espectro educacional me vejo muito mais próxima do extremo da inovação do que do extremo da tradição. Não sou o tipo de professora que se sente confortável em cima do palco da sala de aula falando enquanto os meus alunos ouvem. Entendo que a aprendizagem é muito mais importante do que o ensino, e por isso, meus alunos precisam ser protagonistas em sala de aula. Não vejo meus alunos como uma tabula rasa, e nem tampouco como pessoas que nasceram prontas, mas entendo que a partir da interação (diálogo) com o mundo, e com as outras pessoas, eles aprendem. Aprendizagem ativa, para mim, é (quase) um pleonasmo vicioso, pois não seria aprendizagem se não fosse ativa.

Educação, para mim, é muito mais do que um processo de transmissão de conhecimentos (nem acredito que seja possível transmitir conhecimentos… quando muito, informações, que eventual e oportunamente podem ser transformadas em conhecimentos pelos alunos, de forma ativa). Nem acho que o papel da escola se restrinja a transmitir o legado cultural produzido pelas gerações passadas às gerações mais novas.

Educação, para mim, é um processo de desenvolvimento humano, que se inicia no nascimento e só termina quando a vida acaba. Educação, portanto, é um processo que acontece ao longo de toda a vida, como afirma a UNESCO, e não apenas na escola.

Aprendizagem, por sua vez, em minha concepção, não é o processo de assimilação de conteúdos ensinados pelos professores, mas sim um processo de desenvolvimento de competências, que envolve conhecimentos (inclusive os produzidos pelas gerações passadas), habilidades, valores, atitudes, etc.

Essa visão de educação e de aprendizagem, a meu ver, é suficiente para me caracterizar como uma professora não tradicional.

Trabalho com colegas que também se consideram inovadores, que proporcionam aos seus alunos experiências de aprendizagem muito significativas, baseadas em projetos, e focadas na resolução de problemas, etc.

Pois bem… Apesar de tudo isso, eu, e todos esses meus colegas, estamos fazendo um “Plano de Ensino”, em vez de um “Plano de Facilitação da Aprendizagem”, por exemplo. A despeito dessa concepção pedagógica, os recursos que listamos para utilizar com os alunos estão classificados como “Recursos Didáticos”, em vez de “Recursos Matéticos”.

Sim, matéticos. Conforme explica o Eduardo em um post de 2006 (10 anos atrás!), se a didática se refere à arte de ensinar, a matética se refere à arte de aprender. Se o foco do nosso trabalho em sala de aula está na aprendizagem, já passou do tempo de repensarmos alguns termos que estão tão arraigados em nosso vocabulário, que nem pensamos mais sobre o significado deles.

Como disse o Eduardo, acho que somente o Papert e ele costumam utilizar esse termo. Nem o Google acredita quando a gente faz uma busca por essa palavra. Ele logo sugere a palavra Matemática no lugar…

Por que ninguém fala em Matética nas escolas? Será que é porque ainda é o professor, com seu ensino, que está no centro do processo?

Em Salto, 14 de Janeiro de 2016.

Novos Rumos na Área de Tecnologia na Educação

Quando iniciei minha carreira na área de Tecnologia na Educação, havia uma discussão importante acontecendo, que envolvia não apenas a concepção de uso das tecnologias digitais na escola, mas também o currículo, propriamente dito.

Naquela época, no início dos anos dois mil, ainda predominava o modelo de laboratórios de informática. O custo dos equipamentos ainda era muito alto, por isso as escolas criaram esses espaços com alguns poucos equipamentos para uso coletivo da comunidade escolar. Para organizar esse uso compartilhado, a escola colocou as chamadas “aulas de informática” na grade escolar, garantindo que todos os alunos tivessem acesso aos computadores, em regra, uma vez por semana, durante o período de uma aula. O foco era a inclusão digital. O que seria ensinado nessas aulas ainda não era tão relevante. O importante era que todos tivessem acesso aos computadores.

Os professores, todos imigrantes digitais, não tinham muita familiaridade com as tecnologias digitais nem para uso pessoal, quanto mais para uso pedagógico. Muitos não sabiam sequer ligar um computador. Diante disso, não bastava a escola disponibilizar computadores. Era necessário também providenciar algum profissional que soubesse operar aqueles equipamentos. Donde a contratação, em muitos casos, de um técnico de informática para cuidar do laboratório.

Esses dois fatores (custo dos equipamentos e necessidade de profissional especializado) levaram muitas escolas a terceirizar essa área. Algumas empresas se especializaram em fornecer locação de equipamentos e também mão de obra especializada para manutenção dos equipamentos e ministração de aulas de informática. Algumas dessas empresas, com uma visão, digamos, mais pedagógica, procuravam formar os professores para o uso pedagógico das tecnologias. Mas a maioria disponibilizava apenas um profissional, com perfil mais técnico do que pedagógico, para dar as aulas aos alunos da escola, enquanto os professores de sala de aula, aliviados, se viam livres desse encargo.

Se em um primeiro momento não se deu muita importância ao conteúdo das aulas de informática, não demorou muito para que os professores começassem a questionar não apenas o conteúdo, mas a própria necessidade das aulas de informática.

Os alunos saiam de suas salas para ir até o laboratório aprender conteúdos específicos de informática. Hardware: componentes internos e periféricos; Softwares: sistema operacional, aplicativos básicos (editor de texto, planilha eletrônica e editor de apresentação); e, quando muito, os chamados jogos educativos, que, na época, ainda eram utilizados por meio de CD-ROM. As experiências mais progressistas envolviam a aprendizagem de programação, por meio de aplicativos como o LOGO (embora essa linguagem seja bem anterior aos anos dois mil). Essas experiências eram mais progressistas porque a aprendizagem de programação se assenta no domínio de uma lógica voltada para a solução de problemas — os problemas que o programa deve resolver.

Mas muitos professores ficavam com a sensação de que seus alunos estavam perdendo um tempo precioso de aula, deixando de aprender aquilo que era importante no currículo, para ficar jogando joguinhos no laboratório ou fazendo desenhos utilizando LOGO. Na maioria das vezes esses professores tinham razão.

A discussão que estava acontecendo sobre essa concepção de uso de tecnologia na educação, era justamente em função dessa questão. Em termos de concepção a questão central era: a escola deveria estar a serviço da tecnologia, ou a tecnologia, a serviço da escola? Colocando em outras palavras, a escola, enquanto espaço privilegiado de ensino, deveria incluir em seu currículo conteúdos específicos de informática, ou a informática deveria ser utilizada para ajudar os alunos a aprender o currículo da escola, qualquer que fosse o seu conteúdo?

A opção pela segunda alternativa veio acompanhada de uma demanda. Somente os professores dominavam os conteúdos de sala de aula, enquanto os profissionais com perfil mais técnicos, que entendiam de computadores, não conseguiam fazer essa ponte entre as tecnologias e a educação, vale dizer, os conteúdos curriculares.

Nesse contexto surgiram os profissionais oriundos da área pedagógica que se especializaram no uso das tecnologias digitais. Esses profissionais passaram a ser contratados para ajudar na integração das tecnologias ao currículo escolar. O papel desses profissionais passou a ser muito mais o de formador e parceiro dos professores de (e em) sala de aula, do que de professores de informática. O trabalho não acontecia apenas em sala de aula, uma vez por semana, portanto. O profissional da área de tecnologia na educação e o professor de sala de aula passaram a planejar juntos as aulas e os projetos. As tecnologias passaram a provocar algumas mudanças no próprio currículo da escola, uma vez que elas ampliaram as possibilidades pedagógicas.

Muitas mudanças ocorreram desde então. Afinal, quinze anos se passaram, e quinze anos, na área de tecnologia, é muito tempo!

A Internet mais unidirecional (que disponibilizava informações de um para vários) cedeu espaço para a chamada Web 2.0, mais interativa, possibilitando que usuários comuns, sem conhecimentos técnicos, pudessem disponibilizar informações na rede, em vez de apenas consumir o que era disponibilizado por especialistas. Os Blogs e, posteriormente, as Redes Sociais, permitiram que pessoas se conectassem e interagissem multidirecionalmente (de um para vários, de vários para um e de vários para vários). Isso revolucionou a forma como as pessoas se comunicam e, considerando o papel central da comunicação nos processos de aprendizagem, esse fenômeno também transformou a forma como as pessoas aprendem. Esses recursos possibilitaram que os alunos pudessem usar as tecnologias para exercer o protagonismo, a autoria, passando de consumidores a produtores de informação. Isso não só permitiu, mas motivou e causou muita mudança em sala de aula.

A mobilidade também revolucionou o acesso à informação. A proliferação de tecnologias móveis e convergentes (que integram vários recursos em um único aparelho, cada vez menor, como é o caso dos smartphones) não apenas derrubou o custo das tecnologias, possibilitando a ampliação significativa do acesso a elas, como também possibilitou que as pessoas tivessem acesso à informação em qualquer lugar e a qualquer momento, e não apenas nas aulas de informática, durante uma aula semanal. Dentro da escola, as tecnologias passaram a ocupar todos os espaços, deixando de ficar confinadas aos antigos laboratórios. Fora da escola, as tecnologias passaram a estar presentes na vida real das pessoas, em suas atividades cotidianas, em seus momentos de lazer, de trabalho e de aprendizagem não-formal, aquela que acontece ao longo de toda a vida.

É verdade que o Brasil, um país com dimensões continentais, e que enfrenta tantos problemas sociais e de infraestrutura, ainda não superou integralmente a questão do acesso às tecnologias. Mas pouca gente imaginava, vinte anos atrás, que a inclusão digital se daria tão rapidamente e principalmente através do telefone celular inteligente. Além disso, aqui no Brasil, ainda não podemos desfrutar plenamente de toda o potencial da Internet, envolvendo vídeo, uma vez que o país ainda não dispõe de acesso à Internet de alta velocidade na grande maioria de seu vasto território. Os avanços, porém, são inegáveis, e muitas escolas, tanto privadas quanto públicas, já vivem essa realidade há alguns anos.

Muitos alunos que estavam em sala de aula utilizando essas tecnologias naquele início de século, hoje já estão do outro lado, na posição de professores, utilizando as tecnologias em sala de aula com seus alunos.

Essa nova geração de professores que aos poucos está ocupando a escola, já é nativa digital. Não precisa mais de um profissional que o ajude a integrar as tecnologias ao currículo. Eles não apenas já dominam essas tecnologias para uso pessoal, como também já têm familiaridade com o uso pedagógico delas.

Esse novo cenário levanta algumas questões importantes: Será que em algum momento os profissionais qualificados da área de tecnologia na educação, tão importantes na década passada, se tornarão dispensáveis na escola? Em caso positivo, quanto tempo falta para que isso aconteça? O que acontecerá com esses profissionais quando sua função se tornar obsoleta? Qual o futuro, afinal, das tecnologias digitais na escola?

Alguns países, como o Reino Unido, que certamente já superaram totalmente a questão do acesso às tecnologias digitais, e já dispõem de acesso de qualidade à Internet há algum tempo, já substituíram, desde o final do ano passado, o currículo nacional de Tecnologias de Informação e Comunicação, por um novo, voltado à Computação. Na prática, as escolas não estão mais preocupadas com a integração das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) ao currículo, pois essa integração já aconteceu. A tecnologia já está presente de forma ubíqua, transparente, nas escolas. Os alunos já aprendem utilizando as ferramentas tecnológicas como meio, e não como fim.

Diante disso, e considerando o fato de que as tecnologias estão tão presentes no cotidiano das pessoas, gerando novas demandas, o governo decidiu criar um currículo que ajude a formar o pensamento computacional nos alunos desde a mais tenra idade. Aulas de programação, por exemplo, são introduzidas no currículo desde o Ensino Fundamental. Essa aulas permitem não apenas que os alunos produzam games e outras aplicações úteis, inclusive para a escola, como também desenvolvem o raciocínio lógico, a competência de resolução de problemas, o trabalho em equipe e outras competências importantes no século XXI. Está a filosofia de LOGO ressuscitando sob novas roupagens? Scratch não é um filhote de LOGO? Pelo menos nasceu no mesmo lugar…

Essa tendência já é observada tanto em países mais desenvolvidos, como aqui mesmo, no Brasil. E torna-se inevitável chamar a atenção para esse fato que é, no mínimo, curioso. Isso porque aquela discussão do início do século, sobre a concepção e o currículo da área de Tecnologia na Educação, retornou. E aparentemente ocorreu uma reviravolta. O currículo, digamos, mais tecnológico, tão criticado naquele contexto, adquiriu, hoje, ar de inovação. O uso da tecnologia como meio, como ferramenta de aprendizagem, transversalmente integrado ao currículo, saiu do foco. Agora volta-se a falar em aulas, mas não de informática (aplicativos como Office, etc.). Fala-se em aulas de programação ou de robótica (que também envolve programação), o que, na prática, está muito mais próximo das atividades antigamente centradas em LOGO do que da integração transversal das tecnologias ao currículo escolar. Volta-se a pensar em um currículo específico da tecnologia. Pergunto: estaria a escola de volta ao serviço da tecnologia? Acho que não, porque a aprendizagem da programação e da robótica tem componentes essenciais daquilo que há algum tempo se chama de competências do século XXI. Em outras palavras: a aprendizagem da tecnologia, na forma de programação e robótica, está a serviço de alguns dos objetivos mais básicos da educação do século XXI. .

Quem são os profissionais mais qualificados para esse novo papel da tecnologia na escola? Seriam os profissionais com viés mais pedagógico ou tecnológico? Como os professores de sala de aula lidariam com esse nova visão do papel da tecnologia na educação escolar? Essa nova visão contribui para a implementação do currículo escolar ou concorre ele, que já é tão inchado, com tanto conteúdo para ser ministrado em tão pouco tempo? Será que essas competências do século XXI, que podem tão bem ser desenvolvidas com o apoio e a ajuda da tecnologia, devem constar do currículo geral da escola, ou devem ser inseridas em, digamos, um currículo opcional — um “currículo extracurricular”, se isso não soasse autocontraditório?

Enquanto as TDIC ainda não estão totalmente integradas às salas de aula no contexto brasileiro, enquanto ainda há professores imigrantes digitais, que não se sentem totalmente confortáveis com o uso das tecnologias, especialmente no contexto pedagógico, ainda será necessária a presença de um profissional da área de tecnologia na educação, com qualificações pedagógicas, mas atuando como um parceiro mais experiente no uso pedagógico das tecnologias. E o modelo mais eficaz de trabalho desse profissional certamente não é o das antigas aulas de informática, em laboratórios, em encontros semanais somente com os alunos, sem um professor regular, mas, sim, deve envolver os momentos de planejamento, o apoio à produção de recursos de aprendizagem, a formação em serviço, e também, os momentos de sala de aula, junto com os alunos, como um parceiro de fato.

Por outro lado, caso se entenda que o currículo tecnológico, ou computacional, é realmente imprescindível para a formação de todos os alunos, talvez seja necessário se pensar em aulas específicas, na grade curricular, em vez de um “currículo extracurricular”. Essas aulas poderiam ser de programação, de robótica, de produção de games, ou, até aulas de prototipagem, da chamada maker culture, com viés de engenharia. Poderiam, também, incluir elementos de protagonismo e empreendedorismo. Entretanto, os profissionais mais qualificados para esse segundo eixo do trabalho de tecnologia na educação talvez seja mais tecnológico (programador, web designer, engenheiro, etc.), sem dispensar uma formação na área de educação, como licenciatura, a exemplo do que ocorre com os demais professores especialistas da educação básica, tanto do Ensino Fundamental II, quanto do Ensino Médio.

Em Salto, 17 de Abril de 2015.

O que me levou a pesquisar Avaliação de Competências no Mestrado…

(Transcrição da Introdução de minha dissertação de mestrado, defendida na PUC, dia 31/08/2012).

Foi quando cheguei à adolescência e cursava os últimos anos do Ensino Fundamental (então chamado de Ensino de Primeiro Grau) na rede pública estadual em Ubatuba/SP, que tive consciência, pela primeira vez, de que os professores em geral obrigam seus alunos a estudar uma grande quantidade de coisas que pouco contribuem para suas vidas. Quem sabe esses conteúdos sejam de interesse dos professores? Imaginei eu, inicialmente… Desde então concluí que, talvez, nem isso. Como a maior parte das coisas que eu era obrigada a estudar não tinha relevância para a minha vida, a única motivação que eu tinha para estudá-las foi obter a média mensal de que eu necessitava para prosseguir os estudos. Tendo facilidade para memorizar, não enfrentei maiores problemas para atender à “expectativa de aprendizagem” da escola. Entretanto, vários colegas não tiveram a mesma sorte. Isso me deixou indignada. Não conseguia aceitar passivamente o que me parecia ser uma arbitrariedade. Não entendia como a educação poderia se resumir a um processo de memorização de um conjunto de conteúdos e de demonstração da capacidade de memorização em provas bimestrais. Eu acreditava que a escola deveria e poderia ser muito mais do que isso: acreditava que ali deveríamos aprender coisas úteis para a nossa vida – úteis para aquilo que queríamos ser e fazer na vida.

Ao concluir o Ensino Fundamental, decidi prosseguir meus estudos ingressando no Ensino Médio (então Ensino de Segundo Grau), cursando a chamada Habilitação Específica do 2o Grau para o Magistério – Habilitação Profissional Plena, que substituíra o antigo Curso Normal. Isso aconteceu na mesma escola em que eu concluíra o Ensino Fundamental .

Nessa época tive o privilégio de conviver com professoras que tinham uma postura bastante crítica em relação à educação, mas com uma diferença: além de terem estudado (e, imagino, refletido) bem mais do que eu, elas tinham vivência e experiência, conheciam bem a prática escolar. Foram essas professoras as primeiras a me apontar alguns caminhos que levariam para uma educação diferente.

Concluí o Magistério em 1993, aos dezoito anos.

Nos anos seguintes da década de 90 importantes mudanças ocorreram na educação brasileira. Uma delas foi a aprovação da nova versão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB-EN) que vinha sendo discutida já há algum tempo (pelo menos desde a aprovação da nova Constituição Federal de 1988) e que foi aprovada no final de 1996. Além disso, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que iriam tirar um pouco o interesse dos conteúdos informacionais disciplinares do currículo para acrescentar-lhes, transversalmente, temas mais interessantes e significativos, contextualizados na vida real, também colocaram na pauta de discussão da pedagogia nacional a exigência de que o currículo fosse focado também (ou até preferencialmente) no desenvolvimento de competências e habilidades (mais do que na assimilação de conteúdos informacionais disciplinares), em regra interdisciplinares (ou até mesmo transdisciplinares), e que o trabalho pedagógico fosse pautado por uma metodologia centrada no desenvolvimento de projetos de aprendizagem voltados para a solução de problemas, em que a aprendizagem era ativa, interativa e colaborativa, baseada em pesquisas e investigações por parte dos alunos, trabalhando em equipe, não individualmente, em função de um objetivo comum.

Aos poucos fui percebendo que havia, na realidade, muita gente interessada em novos paradigmas para a educação, e que propostas inovadoras não eram nem escassas, nem tampouco recentes. Mas se as coisas eram assim, por que a escola não mudava? Por que tudo parecia continuar na mesma?

Em 1994 ingressei no curso de Pedagogia das Faculdades Metropolitanas Unidas, em São Paulo.

Os anos passados na universidade representaram um período de busca mais acentuada por uma educação transformadora. Mas, infelizmente, não encontrei muitas respostas na época. A busca sempre foi interessante, mas a ausência de respostas satisfatórias era muito frustrante.

Ao longo do meu curso de Graduação, decidi iniciar minha carreira docente. Procurei trabalhar em instituições que não massacrassem os alunos com conteúdos inúteis. Tive algumas boas, e muitas más, experiências.

Ao final de 1995, dois anos depois de ingressar no curso, um pouco desiludida com a escola, decidi abandonar a área da educação escolar. Isso se refletiu um ano mais tarde na minha escolha da Habilitação no Curso de Pedagogia ao entrar no quarto e último ano do curso: Supervisão de Ensino nas Empresas (que era uma habilitação voltada, não para escolas, mas para a área corporativa de Recursos Humanos).

Ao terminar o curso, em 1997, fui trabalhar na área empresarial, numa empresa de tecnologia, mas não com Recursos Humanos: dediquei-me com interesse às tecnologias da informação e comunicação (“informática”). Não cogitei, naquele momento, de prosseguir meus estudos na Pós-Graduação. Mas minha experiência com a tecnologia foi decisiva para os rumos que minha carreira veio a tomar.

No início de 2001, cerca de cinco anos depois de abandonar a educação escolar, tomada por um sentimento de que minha verdadeira área era a educação, e não o treinamento corporativo. Acabei retornando a trabalhar na área, agora como professora dos primeiros anos do Ensino Fundamental, na rede pública municipal de São Bernardo do Campo, SP, na Grande São Paulo.

Nos sete anos que passei lá, de 2001 a 2007 (inclusive), fui professora de sala de aula, professora de apoio no Laboratório de Tecnologia da Informação, formadora de professores no uso pedagógico da tecnologia e coordenadora de implantação de espaços diversificados de aprendizagens nas escolas, dentre os quais estavam os Laboratórios de Tecnologia da Informação.

Foi durante um momento de formação organizado pela Escola do Futuro da Universidade de São Paulo (USP) para a equipe da Secretaria de Educação e Cultura de São Bernardo do Campo que ouvi falar, pela primeira vez, da experiência da Escola da Ponte, em Portugal. O contato com os artigos de Rubem Alves, publicados originalmente no jornal Correio Popular, de Campinas/SP e mais tarde transformados em livro, se tornou um novo marco em minha carreira – na verdade, na minha vida. Todas as inquietações que me moveram no início de minha formação retornaram de forma muito mais contundente. Pesquisei amplamente essa que parecia ser uma proposta realmente inovadora até que, em 2004, me deparei com a experiência da Escola Lumiar, aqui mesmo em São Paulo, resultado do empreendedorismo social de Ricardo Semler.

A partir desse momento, nenhuma proposta me pareceu tão inovadora como a criada por Semler, com o apoio de um grupo de educadores por ele convidados. O grande diferencial, se comparado a qualquer outra experiência inovadora, pareceu-me ser justamente o currículo (área que havia provocado minha primeira crise com a educação). A proposta da Escola Lumiar ousou abandonar o interesse único nos conteúdos disciplinares constituídos de informações e conhecimentos para propor um currículo organizado na forma de conjuntos de competências e habilidades.

Como que por presente do destino, tive a honra de ser convidada para trabalhar no Instituto Lumiar, entidade mantenedora das escolas Lumiar. Comecei lá em Janeiro de 2008. Minha função era a de buscar meios de articular o referencial teórico das escolas com sua prática pedagógica efetiva, além de ajudar na criação e implementação do Mosaico Digital, que seria o sistema computadorizado de gestão de aprendizagem da Lumiar. Esse software deveria articular a matriz de competências (currículo) com um banco de projetos de aprendizagem que seriam oferecidos aos alunos (metodologia) e resultar em portfólios de aprendizagem, que seriam os registros dos itinerários e percursos efetivos dos alunos nesse processo, que seria usado como base para sua avaliação.

No trabalho de coordenação das atividades pedagógicas da rede de escolas me deparei com o que hoje considero o grande desafio de uma escola que pretende trabalhar um currículo focado em competências e habilidades por meio de uma metodologia de projetos de aprendizagem: a avaliação. Não é difícil avaliar, por meio de testes, provas e exames, se os alunos absorveram as informações e os conhecimentos que lhes foram passados pelos professores. Mas não parece viável avaliar o desenvolvimento de competências e habilidades por meio desse tipo de instrumento. Mas se não por esse, por que tipo de instrumento?

Aqui está a origem do meu interesse em pesquisar especificamente a avaliação de competências e habilidades no contexto escolar do Ensino Fundamental.

Mapear o conjunto de competências e habilidades que uma escola espera que seus alunos desenvolvam, entender como se dá desenvolvimento de competências e habilidades por parte dos alunos, e encontrar formas de avaliar e apresentar esse processo aos próprios alunos e aos professores, pais, gestores e mantenedores pode ser a chave para a consolidação e o fortalecimento de experiências pedagógicas inovadoras que poderão servir de base para a transformação da educação brasileira.

No entanto, esse é um mega desafio que requer uma vida inteira para ser adequadamente enfrentado. No escopo desta dissertação de Mestrado meus objetivos são bem mais realistas, e, por conseguinte, restritos e modestos, como a seguir se verá.

Em São Paulo, 17 de Outubro de 2012.