A Propósito da Mudança no Currículo do Ensino Fundamental na Rede Estadual de Ensino

Minha amiga Ká Teixeira publicou no Facebook, um dia desses, um link para uma matéria do site Revista Fórum que falava sobre a recente alteração no currículo das escolas da rede pública do estado de São Paulo (http://revistaforum.com.br/spressosp/2013/02/governo-estadual-altera-curriculo-do-ensino-fundamental).

Já tinha ouvido outros comentários a respeito, invariavelmente em tom de crítica e até indignação.

Pensei bastante e resolvi expor a ela minha opinião pessoal. Transcrevo a seguir:

“Eu não conheço essa proposta do Governo do Estado, a não ser por intermédio das informações noticiadas pela imprensa… Mas tenho refletido sobre uma reforma curricular há alguns bons anos. E confesso que a mim não soou tão mal essa ideia…

Sempre achei patética a forma fragmentada, compartimentada, fracionada, segmentada com que o conhecimento é apresentado no currículo prescrito, isso para não mencionar a falta de contextualização e significação, mesmo… Sempre fui favorável a uma concepção curricular interdisciplinar ou até mesmo transdisciplinar, que vê o conhecimento de forma holística, orgânica…

Sempre que possível, eu procurei trabalhar dessa forma, por meio de projetos, a partir de situações problemas vinculadas ao mundo real, independentemente da disciplina que estava prevista na grade curricular… E avalio que meus alunos tiveram a oportunidade de aprender sobre diversos assuntos de forma bastante significativa…

Na época do apagão, por exemplo, meus alunos [da antiga 4a série] pesquisaram sobre fontes alternativas de energia de forma bastante aprofundada, e investiram muitas aulas discutindo possibilidades sustentáveis de produção de energia, bem como sobre possibilidades de economia de energia por meio de mudança de atitude em sua vida cotidiana. Tudo isso a despeito de o conteúdo previsto no currículo prescrito, proposto no livro didático, se restringir a um texto superficial explicativo sobre a energia elétrica. Portanto, nunca me senti dominada por essa grade que insiste em aprisionar professores e alunos.

Nessas reflexões, sempre considerei a possibilidade de um dia acabarem com as disciplinas de Ciências, História e Geografia, que inclusive sempre foram menosprezadas pela maioria dos professores polivalentes que eu conheci. Também já considerei a possibilidade de acabarem com as disciplinas de Matemática e Português, o que, na prática, para mim, significaria a mesma coisa…

Isso porque, especialmente nos primeiros anos do ensino fundamental, Português e Matemática não [deveriam ter] conteúdo próprio. São disciplinas focadas em habilidades e competências, ligadas à comunicação e raciocínio lógico, que servem de base para se aprender qualquer outra coisa.

Por outro lado, sem algum conteúdo para ser discutido, não há como se desenvolver essas habilidades e competências… Portanto, o conhecimento a ser explorado, na verdade, está em todas as outras áreas… E, de verdade, pouco importa se o aluno vai aprender sobre fontes alternativas de energia, ou sobre a fotossíntese. Escolher este ou aquele conteúdo é, normalmente, uma arbitrariedade, ou fruto de uma decisão política que raramente leva em consideração o interesse e as habilidades dos alunos, bem como os fatos cotidianos relevantes, que tornam significativo o assunto a ser estudado.

Usar as ciências naturais e sociais como conteúdo para se desenvolver habilidades e competências de comunicação e expressão e raciocínio lógico sempre me pareceu o melhor caminho.

Retirar da grade essas disciplinas não significa proibir os professores de abordar esses temas, mas talvez possa representar a liberação dos professores e alunos para estudar todos esses temas em todas as outras aulas… [e não apenas os temas, mas as habilidades e competências específicas dessas áreas]

Só para encerrar esse post, mencionarei outra experiência que vivi…

Há alguns bons anos trabalhei em uma escola em que as professoras da 4a série (5o ano) se dividiam por áreas. Uma dava aula de Português, a outra de Matemática, e eu dava aula de Ciências, Geografia e História. Assim nos dividíamos entre três salas. As professoras mais experientes ficaram com as duas disciplinas [consideradas] ‘mais importantes’, e eu, em começo de carreira, fiquei com essas disciplinas [supostamente] ‘menos relevantes’…

Certa vez estávamos estudando os planetas e descobrimos que um livro dizia que a Terra tinha dois terços de sua superfície coberta por água, enquanto outro livro dizia que, na realidade, eram três quartos. Imediatamente surgiu a dúvida: será que ambos significam a mesma coisa? Se não, o que é maior, 2/3 ou 3/4? Começamos a estudar frações empolgadamente quando fomos interrompidos por um aluno que estava confuso, e absolutamente escolarizado. Ele questionou: ‘Professora! Podemos estudar isso na aula de Ciências??? Isso não é Matemática???’ [:-(]”

Foi muito bom ver meus alunos desenvolvendo habilidades de comunicação e expressão na língua materna e de raciocínio lógico matemático, além de outras competências importantíssimas ligadas à pesquisa, aos pensamentos crítico e científico, entre outras, sem a pressão e chatice conteudista das disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática…

Acredito que o protesto dos professores especialistas até seria procedente se fosse afetar seu emprego, mas não é o caso nesse nível de ensino. Mas o protesto dos professores polivalentes é, para mim, no mínimo curioso… Eu, em lugar deles, veria essa mudança como uma grande flexibilização no currículo, que me permitiria trabalhar essas áreas de forma transversal…

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