É preciso mudar, e agora?

A pandemia do coronavírus e o “novo normal” da educação, que vem se desenhando e será apresentado para nós em algum momento nos próximos meses, está exigindo de nós, educadores, muitas mudanças. Não se trata, apenas de fazer o que sempre fizemos presencialmente, agora a distância, o que já seria um desafio. Os mais experientes no uso de tecnologias, que são as primeiras pessoas a quem recorremos nesse cenário de caos, insistem em dizer que, além de lidar com o problema da distância física, temos de mudar a nossa concepção pedagógica e olhar para o processo de aprendizagem dos nossos alunos de uma maneira completamente nova!

Toda mudança já traz consigo um desafio. Grandes mudanças trazem grandes desafios. Quando essas mudanças precisam acontecer rapidamente, então estamos, realmente, diante de uma situação totalmente desafiadora. Este é exatamente o cenário que estamos vivendo hoje.

A boa notícia é que esta situação é transitória. A partir do momento em que fomos obrigados a sair do lugar ao qual estávamos acostumados e começamos a caminhar em direção a outro lugar, iniciamos um processo que teve um começo e terá um fim. O fim será um novo lugar onde, aos poucos, nos sentiremos confortáveis novamente. E isso vai acontecer mais adiante, acredite em mim.

Há cerca de quatro anos iniciei, junto de meus alunos e colegas do curso de Licenciatura em Química do IFSP Campus Capivari, um processo de mudança semelhante. É verdade que nós não fomos obrigados a mudar, naquela ocasião. Mudamos porque escolhemos mudar. Tomamos a decisão de iniciar um projeto de inovação, e ele era bastante disruptivo. Vínhamos todos, estudantes e professores, refletindo sobre a necessidade de mudar a partir da constatação de que o modelo de educação que reproduzíamos não se traduzia em aprendizagem de qualidade e, consequentemente, em transformação da vida das pessoas e da sociedade, como acreditávamos que deveria ser. Essa inquietação coletiva foi suscitada de diversas formas. Desde um grupo de estudos de pedagogias alternativas, que estava levando os professores a refletir seriamente sobre suas práticas havia alguns anos, até alguns processos de Design Thinking e alguns cursos voltados à reflexão sobre educação, que estavam mexendo com a cabeça de estudantes e professores no campus.

Constatar que o que fazemos não é bom, adequado ou suficiente, não é tão difícil. A maior parte dos professores e estudantes reconhece, com facilidade, que sua vivência na educação está muito aquém daquilo que poderia ou deveria ser. O problema é o que fazemos após essa constatação.

Em primeiro lugar, saber que algo não está bom não implica, necessariamente, em saber o que deve ser feito em lugar do que sempre foi feito. No nosso caso, conhecer experiências exitosas e teorias que as fundamentam foi essencial para entendermos que precisávamos mudar. Mas não sabíamos exatamente o que fazer, pois havia muitas possibilidades diferentes, e não dá para importar modelos prontos quando se fala de inovação em educação. Saber o que fazer, sem dúvida, era o primeiro desafio.

Mas o segundo e maior desafio era colocar um plano de mudança (qualquer que fosse) em prática. Parar de apenas querer fazer e fazer de fato. Agir. Sair do plano teórico e mergulhar na prática.

Esse passo é, de longe, o mais complicado. Primeiro porque nós temos medo (muito medo) de não dar certo, de não sabermos exatamente o que fazer quando os problemas começarem a surgir (e eles certamente aparecem). Temos medo até mesmo de não saber o que fazer antes de os problemas aparecerem! “Será que sabemos exatamente o que estamos fazendo?”, “Será que temos conhecimentos, habilidades e competências suficientes?”, são alguns dos questionamentos que insistem em surgir, sempre em tom desencorajador.

Mas, para além dos nossos medos, ainda precisamos enfrentar uma série de outras barreiras e limites externos, que dizem respeito a outras pessoas, à sociedade, às leis, à cultura de um modo geral. Sofremos pressões de todos os lados. Somos pressionados pelos estudantes, pelas famílias dos estudantes, pelos nossos gestores dentro da escola, pelos gestores de instâncias superiores, para além da escola, e até mesmo pelos nossos pares, que se incomodam quando algum colega começa a fazer o que eles chamam de “inventar moda”, ou “querer aparecer”…

Dar o primeiro passo no caminho desconhecido é muito desconfortável. Na verdade, em experiências de inovação, por mais que planejemos com antecedência, que calculemos riscos, que tentemos antecipar os problemas, o fato é que sempre teremos de lidar com situações completamente novas, inesperadas, e com a sensação de que, em diversos momentos, sequer haverá caminho sob os nossos pés. Teremos de dar o passo e torcer para que o caminho surja debaixo deles.

Mas enfim, juntos, de forma coletiva, demos o primeiro passo ainda no final de 2016, quando planejamos, junto com os estudantes do quarto semestre do curso de Licenciatura em Química, como deveria a ser a escola ideal, coerente com uma concepção que entende que cada estudante é singular, que tem seus interesses, talentos, estilos e ritmos de aprendizagem, mas ao mesmo tempo é um ser social, que se constrói na relação com o outro.

Inspirados em experiências como as da Escola da Ponte, de Portugal, e do Projeto Âncora, da cidade de Cotia, em São Paulo, criamos o que seria um projeto piloto, para acontecer em uma disciplina no início do ano seguinte, mas que acabou se transformando em um projeto de inovação do curso inteiro.

O foco central do projeto era o tão falado deslocamento do estudante, da periferia para o centro de seu processo de aprendizagem. Naturalmente isso implicou em uma mudança no papel do professor, que não poderia mais ocupar aquele espaço agora ocupado pelo estudante. Ao reinventar o papel do estudante, tivemos de reinventar o nosso próprio papel.

Em vez de aulas e provas, o trabalho pedagógico passou a se organizar em torno de aprendizagem por investigação ou aprendizagem baseada em projetos. Isso significa que, ao chegar ao campus, todos os dias, os estudantes não iam mais para as salas de aula assistir aulas, mas iam para diversos espaços diferentes, incluindo laboratórios de química, laboratórios de informática, biblioteca, espaço maker, auditório, pátio, refeitório e até mesmo… salas de aula. Enfim, o espaço que fosse mais adequado para o desenvolvimento das atividades planejadas.

Outra mudança importante, foi que, em vez de nós professores planejarmos o que os estudantes aprenderiam ou fariam a cada dia, eram os estudantes que faziam esse planejamento.  Mas cada estudante tinha um plano diferente, de acordo com aquilo que ele queria aprender em um intervalo de tempo que ele mesmo definia. Até mesmo a forma como ele iria aprender era escolhida por ele.

Para viabilizar essa descentralização do planejamento, nós criamos juntos, estudantes e professores, um instrumento que chamamos de “nuvem de objetivos”. A partir da leitura crítica do Projeto Pedagógico do Curso, em especial dos Planos de Ensino de cada disciplina, com suas ementas, objetivos e conteúdos, nós definíamos juntos quais seriam os objetivos básicos, que todos os estudantes deveriam atingir ao longo do semestre, e quais seriam opcionais, isto é, em que os estudantes que quisessem poderiam se aprofundar.

Nós incluímos, ainda, nessa nuvem, alguns objetivos chamados não cognitivos, relacionados à área socioemocional, e também ligados ao desenvolvimento da autonomia dos estudantes. Estes últimos objetivos seriam desenvolvidos com o apoio dos professores, não como especialistas em uma área do conhecimento, como de fato éramos, mas como orientadores. Para isso, dividimos pequenos grupos de estudantes para cada professor, e esse professor acompanhava os estudantes mais de perto, apoiando em seu planejamento e no desenvolvimento de sua rotina.

Para dar uma ideia de como as inovações mudaram radicalmente os papéis dos professores e estudantes nesse novo formato, não fazia mais sentido o professor ter um plano de ensino e nem mesmo um diário de classe com uma lista de chamada. Em lugar disso, cada estudante construiu seu próprio roteiro de aprendizagem, seu planejamento diário e fazia o seu próprio controle de presença. Sim, o controle de presença era feito pelos estudantes, que registravam em uma planilha o horário de chegada e de saída. Afinal, falamos tanto em autonomia, mas normalmente controlamos os estudantes de tal forma que não deixamos, sequer, que eles controlem sua própria frequência!

Também não fazia mais sentido uma prova ou outro formato de avaliação definido pelo professor para verificar se os estudantes aprenderam ou não. A avaliação estava a serviço deles, logo eram eles que solicitavam ser avaliados, quando considerassem que já tinham atingido determinado objetivo. E a forma como seria feita essa avaliação também era definida em conjunto, de acordo com o estilo de cada estudante.

Ao perceberem que a aprendizagem era um processo deles, que poderia acontecer em qualquer espaço, e não somente dentro da sala de aula, fomos questionados pelos estudantes sobre a necessidade de manter um modelo de educação presencial diário. Ora, se eles poderiam aprender sozinhos, ou em pares, ou em pequenos grupos, porque precisariam se deslocar diariamente de suas casas, muitas vezes em cidades mais distantes, para ir ao campus? Confesso que, ao refletir sobre aquela pergunta, não consegui encontrar uma justificativa, que não a limitação burocrática imposta por um modelo de curso classificado como “presencial”. É lógico que, em vários momentos, eles teriam de estar no campus para o desenvolvimento de atividades coletivas ou até mesmo para utilizarem os recursos que eles tinham disponíveis lá, como os laboratórios de química, por exemplo. Mas eu sabia que, na prática, isso não aconteceria todos os dias, e que nos dias em que eles precisassem apenas de livros, ou de acesso à Internet, eles poderiam, muito bem, permanecer em casa, desde que tivessem acesso a esses recursos lá. E a grande maioria dos estudantes tinha.

Veja que surpresa o destino reservou para nós… Três anos depois, a pandemia não apenas permitiu, mas os obrigou a ficar em casa. E, de repente, esse modelo de educação, que era tão disruptivo, pode passar a se tornar o padrão, o “novo normal” da educação daqui a algum tempo…

O projeto sofreu muitas mudanças desde o seu início efetivo, em fevereiro de 2017. Mudanças que podem ser vistas como avanços ou retrocessos, a depender da lente que se usa. Era parte da proposta, afinal, que o projeto passasse por um constante processo de ajuste e aperfeiçoamento, feito de forma coletiva, construído a várias mãos, com toda a complexidade envolvida em processos democráticos.

Entretanto, de tudo o que vivemos, podemos dizer, primeiro, que com muito estudo, esforço coletivo e vontade de fazer, nós conseguimos construir um projeto de inovação de verdade, que, neste momento, tem sido objeto de estudo de pelo menos quatro pesquisas de Doutorado. É um projeto cheio de falhas e de necessidades de ajustes, que vêm acontecendo até hoje, mas conseguimos.

Em segundo lugar, e aqui está a nossa principal conquista, podemos dizer que tiramos esse sonho do papel e partimos para ação. Não apenas vencemos pressões e limites externos, inclusive normas e leis, mas especialmente vencemos nossos próprios limites, medos, inseguranças. Enfrentando todo tipo de oposição, saímos da nossa zona de conforto, rumo ao desconhecido e chegamos até aqui.

Se valeu a pena? Sem dúvida! Especialmente agora, nesse momento de pandemia, podemos olhar para trás, constatar o quanto avançamos e dizer que estamos mais bem preparados para lidar com o “novo normal”.

Em Salto, 22 de junho de 2020.

Paloma Chaves

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Há (dois) ano(s) uma utopia se tornava realidade…

Escrevi esse relato em forma de post no Facebook há exatamente um ano, em 2018, quando fazia um ano que eu havia passado na seleção do Doutorado em Educacão da USP. Hoje o Facebook me trouxe essa memória, e achei que o relato merecia vir para meu Blog.

Primeiro por se tratar de uma passagem autobiográfica significativa para mim. Segundo porque pode servir de inspiração para outros jovens e adolescentes que, assim como eu, não nasceram com a vida ganha, e por sua desvantagem na largada, terão de correr mais se quiserem cruzar a linha de chegada…

Na corrida do conhecimento, como diz o querido Nilson José Machado, diferentemente da corrida do mercado, não existem restrições quanto ao número de vencedores. Todos aqueles que enfrentarem e superarem suas próprias limitações, sejam elas internas (biológicas, psicológicas, espirituais), sejam elas externas (sociais, ambientais), cruzarão a linha de chegada e receberão o seu merecido prêmio. Isso porque o prêmio dessa corrida não é limitado ou finito, como o dinheiro, ou as riquezas de um modo geral, mas é ilimitado e infinito. O conhecimento não precisa ser dividido entre os vencedores. Mas, ao ser partilhado, ele ainda se multiplica…

É verdade que, no caminho, precisaremos da ajuda de muita gente. Dificilmente venceremos sozinhos essa corrida. Mas se não corrermos, ninguém correrá por nós. Então, faça a sua parte, e agarre cada oportunidade que surgir em sua vida com as quatro mãos!


Quando publiquei esse post, no ano passado (2017), queria ter escrito um textão autobiográfico, mas estava tão, mas tão extasiada, que não tive condições emocionais de escrever mais nada além de “Doutoranda na USP!”.

Hoje, celebrando o primeiro aniversário desse dia histórico em minha vida, vou gastar alguns minutos para tentar escrever o que eu não consegui antes.

Fui a primeira pessoa da minha família a concluir o Ensino Superior. E não foi em uma universidade pública, pois seria esperar demais de uma pessoa que estudou a vida inteira em escolas públicas, estaduais, e que sequer cursou o Ensino Médio regular (antigo Propedêutico), uma vez que optou por fazer um curso técnico.

Indecisa entre Técnico em Enfermagem e Magistério, acabei optando pela segunda alternativa, muito inspirada nas brincadeiras de infância, de professora das minhas amiguinhas lá no Parque CECAP, em Guarulhos, onde vivi até os 12 anos de idade. Essa escolha excluiu de minha formação as disciplinas de Química, Física, Biologia e até mesmo a Matemática de nível Médio, a não ser por uma introdução que era oferecida no primeiro dos quatro anos do Magistério, tentando garantir uma base mínima dessas disciplinas a todos os estudantes. Todos os conteúdos que deixei de conhecer na escola eram exigidos nos vestibulares de todas as faculdades, creio que muito mais até do que hoje em dia… Meu finado amigo Alexandre, carioca esperto, de Madureira, Engenheiro Naval formado pela UFRJ e colega do meu pai no banco onde ele trabalhava, ainda se dispôs a me ajudar com esses conteúdos (com exceção de Biologia), mas, apesar dos estudos com ele, muitas vezes no quiosque da praia, em Ubatuba, onde morei na adolescência, eu sabia que não seria fácil…

Sinceramente, a inscrição no vestibular da USP foi apenas para cumprir tabela. Achei, mesmo, que seria muita areia para o meu caminhãozinho… Qual não foi minha surpresa quando eu percebi que, se eu tivesse me inscrito em Pedagogia nessa que foi a única universidade pública para a qual prestei vestibular, teria passado, pelo menos, para a segunda fase. No entanto, como se não bastassem todos os percalços que passamos durante nossa escolarização, a maioria de nós ainda costuma viver a crise de não ter um projeto de vida aos 17 anos, quando temos que tomar decisões que nos são apresentadas como decisivas para o nosso futuro. A verdade é que eu estava indecisa entre Direito e Pedagogia. O Direito surgiu por incentivo de pessoas próximas que achavam que eu era eloquente e tinha boa capacidade de argumentação, o que me ajudaria a ser uma boa advogada. Além disso, professora (já) era uma profissão tão desvalorizada… Na verdade, a sociedade sempre acaba pressionando a gente a escolher aquilo que ela idealiza como sendo a melhor profissão, em outras palavras, o que vai proporcionar mais estabilidade financeira e que vai possibilitar que a gente seja mais respeitada. Quanta bobagem…

Eu não tinha dinheiro para ficar prestando vestibular em tudo quanto é lugar. Então, além da USP, escolhi outras duas instituições privadas (sem saber como eu poderia pagar as mensalidades, caso viesse a passar). Na USP eu não podia escolher duas opções em áreas diferentes. Então escolhi só Direito. Na FMU e no Mackenzie, pude escolher tanto Direito quanto Pedagogia. Para decepção da minha querida professora de Língua Portuguesa do Magistério, Helô (uma lenda viva em Ubatuba), não entrei na USP, onde ela tinha certeza de que eu conseguiria. Mas, como prêmio de consolação, passei em Pedagogia nas outras duas. No Mackenzie o curso era vespertino, o que limitaria minhas possibilidades de arrumar um trabalho para sobreviver. Além disso, a chance de eu conseguir uma bolsa era muito remota, pois só havia bolsas próprias da Universidade, e eu fui informada de que, normalmente, apenas pessoas ligadas à Igreja Presbiteriana (especialmente filhos de pastores) ou outros casos muito excepcionais, conseguiam essas bolsas. Na FMU, além de o curso ser noturno (o que me abriria mais possibilidades de arrumar um trabalho), eles ofereciam o chamado Crédito Educativo (do governo FHC). Felizmente, em pouco tempo consegui tanto o trabalho, quanto o financiamento, além da ajuda preciosa de muitos amigos que ora me cediam uns vale-transportes, ora uns vale-alimentação, além de ajuda para outras despesas. A moradia, que seria o mais difícil, eu consegui pela generosidade da minha tia Josira, que abriu as portas da casa dela, onde sempre cabe mais um. Sou grata não só a ela, mas aos meus primos Moises, Helder e Tati por terem me aturado por seis meses na casa deles. Assim, deixei a casa dos meus pais em Ubatuba com um cheque do meu pai para pagar a primeira mensalidade, e passei a cuidar de minha vida a partir dali.

No final do primeiro ano da faculdade acabei me casando e, quando cursava o terceiro ano, tive minha primeira filha. Em seguida, tão logo concluí a faculdade, tive a segunda filha, e assim uma possível carreira acadêmica foi interrompida por tempo indeterminado.

Na verdade eu nem almejava uma carreira acadêmica. Na verdade, mesmo, eu nem sabia se seguiria carreira na área da educação. Decepcionada com a área, e acreditando que eu não tinha a menor vocação para trabalhar ali, passei alguns anos sendo exclusivamente mãe, e depois fui trabalhar em uma pequena empresa de tecnologia que tive com me ex-marido, onde, apesar de trabalhar na área administrativa, acabei aprendendo bastante sobre informática, tendo me tornado uma usuária mais avançada do que a maioria das pessoas que eu conhecia no uso de tecnologias. Poucos anos depois passei em um concurso na Prefeitura de São Bernardo do Campo, e aos 25 anos tomei aquela decisão que as pessoas achavam que eu tinha que ter tomado aos 17 anos. Finalmente eu tinha um projeto de vida! Escolhi a educação. Descobri que eu poderia contribuir para o mundo ser um lugar melhor se eu ajudasse as pessoas a se transformar por meio da educação.

Comecei trabalhando nas séries iniciais da educação básica, e, em seguida, passei a trabalhar com o uso de tecnologias na educação, inclusive com formação continuada de professores para o uso pedagógico das tecnologias. Essa experiência acendeu em mim o desejo de, futuramente, trabalhar na formação inicial de professores. Mas, infelizmente, esse era um futuro muito distante, pois, como já não havia mais o curso de Magistério, para trabalhar nessa área eu precisaria cursar uma pós-graduação, e se uma especialização parecia difícil, um Mestrado e um Doutorado pareciam impossíveis. Uma utopia…

Mais de doze anos se passaram desde que eu terminara minha graduação. Minha vida passou por transformações profundas e radicais (algumas até traumáticas), mas, finalmente, o Mestrado estava acontecendo, graças ao incentivo e apoio do meu parceiro de vida, Eduardo Chaves. E não era em uma instituição qualquer. Era na PUC-SP, uma universidade tão bem conceituada, mas que eu nem cogitei estudar na graduação (apesar da insistência de outras duas professoras importantes em minha vida, a Malu Borim e a Sonia Bomfim, também do Magistério), porque sabia que não teria recursos para pagar as altas mensalidades… E como se não bastasse estar na PUC, ainda tive o privilegio de ser orientada pelo Prof. Fernando Almeida, que eu tanto admirava.

Descobri que é verdade que o Mestrado dói. A gente tem de aprender tanto, em tão pouco tempo, que me parece impossível sobreviver a ele sem muito sofrimento. Mas, enfim, eu sobrevivi. E a dor foi tão forte, que eu não quis nem pensar em fazer Doutorado. Como eu trabalhava em escola de educação básica, onde esse tipo de título acadêmico nem é tão valorizado, estava satisfeita com o Mestrado.

Entretanto, a vida, que não para, deu mais algumas voltas, e aquele sonho de trabalhar com formação inicial de professores se tornou realidade no IFSP. Nesse contexto, o Doutorado passou a ser algo importante dentro da minha nova carreira. E assim, três anos após concluir o Mestrado, passei a sonhar com o Doutorado. Mais uma vez com o incentivo e apoio do meu marido e melhor amigo, escrevi e submeti um projeto. No entanto, em minha primeira tentativa, não passei no exame de proficiência em inglês… Imaginei que minha dificuldade seria a aprovação do projeto, mas, enfim, foi no inglês que meu sonho ruiu…

Foi bem difícil lidar com a frustração. Eu estava em uma fase da vida em que parecia que tudo que eu fazia, prosperava. Eu havia acabado de passar em um concurso concorrido no IFSP, em que havia uma única vaga! Um trabalho escrito com duas amigas acabara de ser aceito em um congresso em Portugal. Uma proposta para ministrar uma oficina de Design Thinking para Educadores, pela Pró- Reitoria de Ensino do IFSP, havia sido selecionada. Mas quando a autoestima da gente fica abalada, não importa tudo o que fizemos até ali. A única coisa que conseguimos pensar é que somos um fracasso, mesmo. Que era muita pretensão minha querer entrar justamente naquela universidade pública na qual eu não havia conseguido cursar nem a graduação. Quem era eu para querer aquilo? Fora isso, tinha o peso da expectativa das pessoas que me cercam… O marido tinha certeza de que eu conseguiria. As filhas. Os amigos. A família… Que difícil carregar tanta expectativa nos ombros!

Ao longo daquele ano, no entanto, tive a felicidade de experimentar muitas coisas boas junto aos meus alunos e colegas do IFSP. Nesse processo nasceu o projeto de inovação da Licenciatura em Química, do IFSP Capivari. E esse projeto me fez voltar a sonhar… No ano seguinte mexi um pouco no projeto que eu havia submetido no processo anterior da USP (e que nem chegou a ser apreciado), incluindo coisas que eu havia aprendido de forma tão significativa ao longo daquele ano. Criei coragem, e tentei outra vez. Com muito mais humildade. Com muito menos expectativas…

E, então, aconteceu…

Meu projeto foi aceito pelo Prof. Ulisses Araujo, alguém que eu não apenas admirava, mas com quem havia aprendido tanto em suas aulas de Psicologia de Educação, ao lado da Profa. Valeria Arantes, no Canal da UNIVESP, em minha preparação para ministrar aulas de Psicologia da Educação no IFSP.

Enfim, foi um sonho, dos grandes, que virou realidade diante dos meus olhos, a essa altura, quase incrédulos… Quase, porque no fundo eu sou uma otimista inveterada e sempre acabo acreditando que coisas boas podem acontecer. Se eu fosse totalmente incrédula, talvez nem tivesse tentado outra vez, né? Mas tentei. E deu certo.

Apesar de eu ser grata a Deus e a todas essas pessoas que mencionei nesse textão, e a outras pessoas que fizeram parte da minha história, me fazendo ser quem eu sou, hoje eu dedico essa conquista à minha professora Helô. Ela foi a primeira a ter tanta certeza de que eu estudaria na USP (e sua decepção lá em 1993 deixou isso bem evidente), que plantou em mim a semente que, a seu tempo, deu o seu fruto. Obrigada, Helô. Não sei se essa mensagem vai chegar até você, mas a minha gratidão é imensa.

Paloma Chaves

Em Salto, 10 de Julho de 2019.

A Geração On Demand

Recentemente foi divulgado na imprensa que a Rede Globo tem tomado algumas medidas meio radicais de contenção de gastos. Após rever e até rescindir diversos contratos com alguns de seus astros e estrelas, as novas medidas afetaram até mesmo alguns pequenos mimos como manicures e motoristas para os artistas.

Algumas razões têm sido aventadas para explicar a situação de aperto em que se encontra a emissora que sempre foi “campeã de audiência”. Além dos problemas com a concorrência, que têm afetado justamente sua posição de liderança, a emissora também tem sofrido os impactos do cisma social desencadeado pelas disputas políticas das alas à direita e à esquerda do espectro político. Ambos os lados da polarização acusam a emissora de colocar sua grade de programação a serviço do inimigo, e isso tem afastado os antigos telespectadores que, por essa razão, acabam procurando a Rede Record ou o SBT, como alternativas. Até mesmo o corte de verbas de publicidade do governo federal tem sido apontado como hipótese para a redução do orçamento da emissora.

Há, entretanto, uma razão que tem sido pouco apontada como possível causa do declínio da emissora. E, na minha opinião, a razão ignorada é justamente a principal: a cultura do vídeo on demand.

Não faz nem uma década quando vivi, pela primeira vez, a experiência de poder escolher o que eu queria assistir, e a hora que eu queria assistir, durante um vôo entre São Paulo e Lisboa. Até então havia uma programação de entretenimento igual para todos os passageiros e eu vivia bastante bem com isso. Fiquei muito empolgada com a novidade, apesar da dificuldade inicial que enfrentei para escolher o que eu queria assistir. Eu simplesmente não estava acostumada a fazer escolhas, a tomar decisões em relação ao que iria assistir. Eu estava perfeitamente adaptada à minha condição de consumidora passiva da seleção feita por algum especialista em entretenimento.

Mas não demorou muito até que essa tecnologia chegasse às nossas casas. A Netflix talvez seja a empresa que mais tenha popularizado o vídeo on demand via streaming no Brasil e no mundo. Apesar de ter iniciado o serviço em 2007, em maio de 2018 ela passou a ser a maior empresa de entretenimento do planeta, superando a Disney, e hoje já conta com, pelo menos, 139 milhões de assinantes. Apesar de seus números serem impressionantes, hoje ela é apenas mais uma nesse imenso mercado, que já conta com outras gigantes, como a Amazon Prime e a HBO Go, dentre outras. Isso para não mencionar concorrentes gratuitos, como o YouTube.

Não faz muito tempo, passei uma tarde sozinha na casa da minha filha, e fiquei aflita quando percebi que não teria a companhia da televisão, simplesmente porque ela não tem antena para os canais abertos, e nem mesmo uma assinatura de TV a cabo. Minha filha de 20 anos é uma autêntica representante da geração que aboliu completamente a ideia de ter acesso a uma programação controlada por uma emissora de televisão, e investiu apenas em um Google Chromecast, um pequeno aparelho que possibilita que ela assista, na tela da TV, o conteúdo que é exibido na tela de seu celular ou notebook. Dessa forma ela pode assistir aos seus filmes e, principalmente, às suas séries, que são as únicas coisas que lhe interessam, de fato.

Enquanto eu acho muito estranho alguém não ter TV em casa (porque o que eu entendo por TV é a programação da TV aberta), ela acha ainda mais estranho que alguém perca tempo assistindo uma programação aleatória, que ela não escolheu, extremamente limitada em termos de oferta de conteúdo, e rígida em termos do horário em que se pode assistir àquilo que, eventualmente, se queira. Racionalmente eu não posso discordar dela. É realmente uma estupidez ficar dependendo da grade de programação tamanho único, determinada unilateralmente por uma emissora, ou por um conjunto de emissoras, quando se tem tantas opções. No entanto eu estou tão condicionada a esse modelo, que simplesmente não sinto vontade de escolher o que vou assistir na maior parte do tempo. Eu me acomodei nessa posição de receptora passiva. O problema é que a minha, talvez seja a última geração de telespectadores de TV aberta. É uma tendência. É um caminho sem volta.

Voltando à Rede Globo, apesar de seu esforço com a Globoplay, talvez ela tenha perdido o timing para entrar nesse mercado. Vamos acompanhar. Mas, de qualquer forma, a TV aberta, como conhecemos, está com os dias contados. A queda na audiência tende apenas a se agravar. Mesmo suas concorrentes, que podem até estar comemorando um pequeníssimo crescimento em sua audiência, não deveriam se empolgar. Embora eu não me sinta confiante para fazer uma previsão em termos de prazo, eu não hesito em afirmar que a TV não sobreviverá no formato tradicional.

Mas esse fenômeno, que está abalando de forma definitiva as estruturas da maior fonte de entretenimento da população, se reflete também em outras áreas. E a Educação é uma delas.

A geração on demand, que tem total controle sobre o conteúdo que deseja acessar e sobre o ritmo, a frequência e a direção da exibição (hands on), na porção adequada aos seus anseios (just enough), no exato momento em que deseja (just in time), provavelmente não suportará por muito mais tempo um modelo de escola que trabalha sob a lógica de uma grade curricular com conteúdos genéricos, entregues de uma única vez e de forma ininterrupta, em porções padronizadas, em horários arbitrariamente estabelecidos, para todos os estudantes.

Talvez a obrigatoriedade legal da frequência escolar garanta uma sobrevida a esse modelo por um tempo um pouco maior do que a expectativa de vida da TV tradicional, mas o poder de coerção da lei também é limitado. Os índices de evasão do Ensino Superior e dos anos finais da Educação Básica têm se mostrado um forte indício dessa tendência.

Não acredito que, necessariamente, a escola precise acabar. Mas, se quiser sobreviver, ela precisará se reinventar. E um modelo de educação on demand é um caminho possível…

Em Salto, 01 de junho de 2019.

Do OLPC ao UCA (ou da Aprendizagem ao Ensino)

I. Preâmbulo de 2019

Este artigo foi escrito originalmente em junho de 2011, como parte das atividades acadêmicas do meu curso de Mestrado. Na ocasião havia sido solicitado que eu escrevesse um artigo sobre o projeto Um Computador por Aluno (UCA), no qual eu, inclusive, havia trabalhado como membro da equipe de formação. Embora não tenha sido explicitado, logo ficou claro que a expectativa era a de que eu destacasse os aspectos positivos do projeto, quando muito, fazendo algumas críticas pontuais. Mas, infelizmente, não foi o que eu fiz.

O artigo foi muito malvisto em um contexto em que o UCA ainda estava em andamento, e em que a instituição onde eu fazia o Mestrado era parte da equipe nacional responsável pela formação dos professores e avaliação do projeto. Mas o artigo foi malvisto porque, diferentemente do que se esperava, nele eu teci duras críticas ao projeto como um todo, pelas suas premissas, denunciando alguns aspectos que considero nevrálgicos para o êxito de iniciativas na área da educação, não apenas relativas ao uso de tecnologias, mas de qualquer iniciativa que busque promover aprendizagem dos estudantes.

O artigo, inclusive, quase me custou a obtenção de meu título de Mestre. Quando o prazo para defender a dissertação estava no fim, eu descobri que o referido texto não tinha produzido nenhuma nota no sistema. Ele não tinha sido apenas mal avaliado, mas havia sido rejeitado, com solicitações de alterações que deveriam ser realizadas sob pena de ficar sem nota.

Nota… Sempre ela. O principal mecanismo de coerção que professores usam contra seus alunos quando querem induzi-los a agir ou pensar como eles consideram certo. Enfim, fiz as alterações a que fui obrigada, obtive a nota necessária, e hoje estou publicando o artigo original, onde expresso exatamente o que eu pensava a respeito do projeto, e que continuo pensando até hoje. Assim o leitor também terá a oportunidade de julgar, segundo seus próprios critérios, os argumentos aqui defendidos. Estou pronta para o debate de ideias.

O UCA, que teve início como projeto piloto em 2007, e foi expandido para 300 escolas em todo o Brasil a partir de 2010, foi descontinuado, segundo consta, aproximadamente entre 2012 e 2013, embora nunca tenha sido feito um pronunciamento oficial sobre o fim do projeto. Muitas escolas ainda possuem o que restou dos laptops, mas a maior parte dos equipamentos, provavelmente, já está totalmente sucateada. Afinal, nem mesmo tecnologia de ponta costuma ter uma vida útil tão longa, quanto mais os computadores que foram efetivamente entregues às escolas.

Talvez a reflexão proposta neste artigo possa ter um valor diferente hoje, uma vez que não trata mais de uma profecia, mas de um fato consumado. Talvez seja útil para ações futuras na área de educação. Esse é o meu intuito ao disponibilizar este artigo agora.

II. Introdução

A proposta de criar um programa de escopo global que viabilizasse a colocação de um computador nas mãos de cada criança dos países em desenvolvimento foi, no momento em que foi concebida e apresentada ao mundo, uma ideia ao mesmo tempo de louco e de gênio.

De louco porque, nos idos de 2005, sugerir que todas as crianças de um país como o nosso poderiam vir a tornar-se donas de um laptop só podia parecer desvario de um louco. Para que isso acontecesse, os laptops teriam de custar perto de 100 dólares cada, nos cálculos de Nicholas Negroponte, o pai da ideia. Mas, no mercado, eles ainda custavam por volta de dois mil dólares cada – vinte vezes mais do que o preço considerado viável. Onde é que se acharia tanto dinheiro assim para custear a loucura sonhada por Negroponte?

Mas a proposta acabou sendo uma tacada de gênio… Os fabricantes de laptops se apavoraram diante da ideia de que Negroponte pudesse encontrar um fabricante em Taiwan que viabilizasse seu projeto – e colocasse em perigo as gordas margens de lucro de seus produtos supervalorizados. Assim, resolveram eles mesmos ir reduzindo essas margens. Perderiam os anéis, mas conservariam os dedos. E esse processo de redução de custos e de preço continua até hoje. Os netbooks de hoje, que custam menos de quinhentos dólares, e que, no Brasil, se vendem em até vinte prestações de 25 dólares, sem juros, acabaram se tornando os herdeiros do projeto de Negroponte.

Mas o mérito de Negroponte não se limita a ter cutucado os fabricantes e oportunamente os levado a reduzir drasticamente o custo de seus produtos e as margens de lucro praticadas, assim arrastando o preço para baixo. A ideia de One Laptop Per Child tem méritos próprios que vão além dessa sacudida no mercado.

O presente artigo pretende discutir as expectativas iniciais e o impacto do Programa OLPC, global, e do programa UCA, brasileiro, seis anos depois das primeiras articulações.

Quais elementos do OLPC atraíram a atenção do governo brasileiro em Janeiro de 2005, em Davos, durante o Fórum Econômico Mundial, quando ele teve conhecimento do projeto que pretendia oferecer aos países em desenvolvimento a possibilidade de distribuir um computador para cada criança do seu país? Qual foi a proposta apresentada por Nicholas Negroponte, Seymour Papert e Mary Lou Jepsen, em Junho do mesmo ano, que encantou o governo brasileiro?

E em que se tornou o OLPC aqui no Brasil, quando se transformou em UCA? Quais os principais desafios observados? Quais as razões por detrás das mudanças sutis efetuadas? E quais as perspectivas de a proposta original de o sonho de Negroponte se concretizar?

III. O OLPC (One Laptop Per Child) [1]

“Dentro da ideia de alta qualidade na Educação, nossa missão não é apenas prover laptops, mas criar uma cultura de aprendizagem, engajando as crianças na sua educação e desenvolvendo a paixão pelo aprender.”

Silvia Kist [2]

Para iniciar essa discussão, é interessante resgatar alguns princípios que norteiam o projeto concebido por Nicholas Negroponte, no MIT (Massachusetts Institute of Technology), cuja melhor tradução seria Um Laptop Por Criança (não por Aluno).

O projeto original se define, antes de tudo, como um projeto social, sem fins lucrativos, que tem uma missão social em vez de um mercado.

A missão do OLPC apresenta alguns princípios básicos:

  1. As crianças devem se tornar proprietárias dos laptops. Isto quer dizer que elas devem ser livres para levá-los para casa depois do uso na escola, para usá-los onde e no que desejarem em suas comunidades.
  2. O foco do projeto está na educação inicial, ou seja, foi concebido para crianças na faixa etária de 6 a 12 anos – que é a faixa mais delicada, onde se ganham e se perdem as batalhas da educação. Por isso os laptops precisam ser resistentes, para aguentar o manuseio nem sempre delicado das crianças dessa faixa etária.
  3. Nenhuma criança deve ser excluída do processo. Para isso, não só as escolas devem dispor de computadores, mas cada aluno, de cada sala de aula, deve receber o seu próprio computador. Ou seja: o laptop não é apenas chamariz para trazer a criança para a escola, ele é potente ferramenta de aprendizagem.
  4. Os laptops devem ter conexão com a Internet, porque a Internet oferece possibilidades interessantes de aprendizagem. Sendo móveis, os laptops permitem que seus proprietários aprendam a qualquer momento, em qualquer lugar, mesmo fora da sala de aula e da escola.
  5. O laptop concebido para o projeto, batizado de XO, deve ter software aberto e livre, para poder ser melhorado e adaptado às necessidades das crianças, da mesma forma que o hardware também é aberto.

A primeira pergunta que é feita quando se questiona o projeto OLPC é “Por que dar um laptop para uma criança que pode não ter nem eletricidade, nem água corrente, talvez em muitos casos nem mesmo comida suficiente em casa? Não deveríamos primeiro atender a essas necessidades mais básicas?”.

A resposta dos criadores do OLPC é interessante.

Se a palavra laptop for substituída por educação, então tudo fica claro: “Por que dar educação para uma criança que pode não ter nem eletricidade, nem água corrente, nem mesmo comida o tempo todo?”. Ninguém retém ou segura a educação até que todas as outras necessidades da criança estejam supridas. Isso porque a educação pode ser o fundamento para a solução, a médio e longo prazo, de todos os outros problemas!

Por isso, o XO foi projetado para ser utilizado em lugares que necessitam dele mais do que em outros. Por isso o OLPC foi criado como projeto para países em desenvolvimento.

O XO foi projetado para ser resistente, pois foi feito para crianças pequenas.

O XO foi concebido como um equipamento de baixo custo, para que possa ser produzido em larga escala.

O XO foi elaborado para consumir pouca energia, para poder ser usado em locais onde não haja energia elétrica, onde as fontes de energia possíveis são alternativas, como energia solar, por exemplo.

A tela do XO foi desenhada ser usada ao ar livre, com incidência de luz solar, pois há locais em que as crianças têm aula ao ar livre. A webcam do XO foi concebida para que os alunos possam tirar fotos e fazer filmes. Além disso, uma enorme quantidade de softwares gratuitos já vêm instalados, todos focados na educação, para serem usados pelas crianças.

Por fim, o XO foi concebido para permitir não apenas a conexão à Internet, mas para permitir que cada laptop seja um ponto de acesso à Internet. Assim, mesmo em casa, as crianças podem ser pontos múltiplos de acesso, ampliando a área de abrangência do acesso à Internet. Tudo isso para que as crianças possam usar a Internet para aprender, explorar, compartilhar, criar juntas, umas com as outras e com as comunidades em que vivem.

Quando usado na sala de aula, o XO torna as crianças mais engajadas, inspiradas, envolvidas. Elas aprendem, com ele, a tirar fotos, fazer desenhos, ouvir músicas, fazer vídeos, escrever histórias, e imaginam como fazer outras coisas, e começam a ensinar uns aos outros, e, ao chegar em casa, até mesmo aos seus pais e aos demais membros de suas comunidades.

Quase no final do vídeo de apresentação do XO, o narrador do vídeo resume a proposta dizendo, “dê um laptop e mude o mundo!”, e por fim declara que, com o XO as crianças aprendem a solucionar seus próprios desafios, e quem sabe, um dia eles poderão nos ajudar a solucionar os nossos.

Por que vale a pena destacar essas características da concepção original?

Porque, em primeiro lugar, no OLPC o sujeito do projeto é a criança (child) e não o aluno, como na versão brasileira, chamada de UCA – Um Computador por Aluno. Essa sutil diferença, naturalmente, não é fruto de um mero descuido de tradução, ou de tentativa de criar uma sigla pronunciável.

No OLPC, a ênfase na criança, em vez do aluno, fica evidente em outros aspectos, como por exemplo, nos princípios básicos, que enfatizam que a criança deve ter liberdade para levar e usar o laptop onde desejar, e não apenas na escola, que é o local onde a criança desempenha o papel de aluno.

Outro aspecto que evidencia essa diferença, é que no OLPC, cada laptop foi projetado para ser um ponto independente de acesso à Internet, de modo que, de alguma forma, mesmo fora da escola, os alunos possam ter acesso à rede. Mais uma vez fica evidente que a proposta do OLPC é proporcionar autonomia para que o aluno possa usar os laptops para aprender não apenas dentro, mas também fora da escola. E não apenas para ele aprender, mas para proporcionar essa experiência a toda a sua família e à sua comunidade.

Em recente entrevista via Twitcam organizada pela Profa. Elizabeth Almeida, na PUC-SP, dois comentários do prof. Juliano, registrados no Twitter, também corroboram essa tese:

O foco do trabalho c/ laptops visa à sociedade, e não apenas à escola, diz Juliano (@webcurriculo live on http://twitcam.com/4kurs)

Investe-se nas cças, para a escola ser levada junto, e não na escola, para levar as cças. (@webcurriculo live on http://twitcam.com/4kurs)

Essa é a concepção que permeia o projeto, e que aparece em depoimentos como o de Silvia Kist, membro do time do OLPC, em seu Blog sobre a experiência de formação de professores em Ruanda: “… começamos a introduzir a ideia de aprendizagem com o laptop e não ensino de informática na escola”.

A ênfase na experiência de aprendizagem em lugar do ensino escolar fica evidente nessa análise um pouco mais profunda do OLPC. E essa ênfase não existe apenas no projeto em si. Na concepção de Seymour Papert, um dos mentores do projeto, que esteve no Brasil conversando com o governo brasileiro em 2005, aprendizagem também não é privilégio exclusivo da escola [3]. A própria UNESCO, ao propor que aprendizagem é algo que deve ser vivido ao longo de toda a vida [4], também sugere que não se trata, no caso da aprendizagem, de uma prerrogativa da escola.

Urge, portanto, fazer a distinção entre Educação e Escola, Aprendizagem e Ensino, para assim compreender qual pode ser o papel dos laptops na transformação da vida das crianças.

  • Educação é o processo por meio do qual os seres humanos desenvolvem suas potencialidades ao longo de toda a vida.
  • Escola é a instituição que foi concebida para ser um espaço privilegiado de educação durante um período específico da vida.
  • Ensino é uma ação intencional, planejada, controlada, daquele que pretende proporcionar uma experiência de aprendizagem ao outro.
  • Aprendizagem é o grande resultado almejado pela educação, é o ato de construir conhecimentos, desenvolver habilidades, definir valores, adotar atitudes e dominar competências que mobilizem os conhecimentos, habilidades, valores e atitudes (Perrenoud, 1999) em uma situação prática da vida real, seja na tomada de uma decisão, na realização de uma tarefa, na resolução de um problema, na resposta a uma pergunta complexa, etc.

Em suma, o OLPC é um projeto essencialmente voltado à Educação, que tem foco na Aprendizagem, não apenas dentro da Escola, mas também fora dela, e não apenas por meio do Ensino, mas também pela interação, colaboração horizontal, entre pares, entre as crianças e a comunidade como um todo.

IV. O UCA (Um Computador por Aluno)

Como e por que o OLPC no Brasil se transformou em UCA?

Talvez a resposta possa ser encontrada numa frase curiosa, mas profundamente verdadeira, que Ana Teresa Ralston, Diretora de Tecnologia Educacional e Formação de Professores da Abril Educação, disse no lançamento das Redes Sociais da Editora Ática e Scipione: “Tudo o que entra na escola a escola mastiga e transforma em escola”.

A transformação do OLPC em UCA é parte desse processo.

Um projeto revolucionário, que coloca um laptop nas mãos de cada criança, que permite que a criança fique com ele, o leve para casa, e o use da forma que desejar, para aprender, para se divertir, para ajudar a família e os amigos, e que se torna um ponto de acesso à Internet para a comunidade em que o aluno mora, e, assim, não só uma poderosa ferramenta de aprendizagem individual, mas uma potente ferramenta de educação social e emancipação comunitária, esse projeto revolucionário se tornou, no Brasil, um projeto de utilização da tecnologia na sala de aula da escola, pelo aluno, sob a tutela do professor…

Por isso, os programas que se constroem ao redor do projeto UCA aqui no Brasil são focados na formação de professores, em vez de no desenvolvimento dos alunos.

Se a escola não é o único espaço possível de aprendizagem, e se a formação de professores encontra tantos obstáculos, sendo o principal deles o simples fato de os professores, em sua grande maioria, não serem nativos digitais, por que investir tanto em formação de professores?

Não que investir em formação de professores não seja importante, e nem que o conteúdo que está sendo oferecido aos professores nessa formação não seja de boa qualidade. Pelo contrário! Os módulos de formação do UCA são, do ponto de vista de concepção, de altíssimo nível! Eles foram elaborados por uma equipe de educadores coordenada por Pedro Ferreira de Andrade, da recém-extinta SEED/MEC. A equipe de Formação e Acompanhamento, composta por Beatriz Corso Magdalena – UFRGS, Iris Elisabeth Tempel Costa – UFRGS, Maria Elisabette Brisola Brito Prado – UNICAMP, Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida – PUC/SP, Maria Helena Cautiero Jardim – UFRJ, Mauro Cavalcante Pequeno – UFC e pelo próprio Pedro Ferreira de Andrade – SEED/MEC, tem feito um excelente trabalho.

E o melhor é que o aspecto mais rico dessa formação não diz respeito ao uso da tecnologia em si, mas sim às questões filosóficas que fundamentam a ação pedagógica.

O foco em uma pedagogia de perguntas, em vez de respostas, a valorização do protagonismo do aluno e diversos outros aspectos, são de valor imensurável, e certamente trazem grande contribuição para a escola. No entanto, até que esse investimento em formação consiga transpor todas as barreiras impostas pela própria cultura existente no sistema de ensino, os alunos, ou melhor, as crianças, correm o risco sério de não ser atingidas por tamanha revolução. As barreiras envolvem, dentre outras coisas, as frágeis condições de trabalho dos professores e mesmo dos gestores, e a falta de tempo desses profissionais para se dedicar à própria formação.

Impedidos de levar para casa, e muitas vezes até de usar dentro da escola, seja por decisão dos professores, que esperam sentir-se mais seguros com o uso da tecnologia antes de proporcionar aos seus alunos o acesso a elas, ou pelas dificuldades de solucionar os problemas técnicos existentes – que são muitos, e de todos os tipos – os alunos não conseguem viver aquilo que Negroponte idealizou. Sequer o laptop utilizado no projeto atualmente é o que foi projetado originalmente.

Ao terminar a aula, os alunos são de novo crianças sem acesso digital. Ao sair da escola e ir para suas casas e para suas comunidades, as crianças atravessam de novo o fosso digital e vão para um mundo diferente, que não sofrerá o impacto que poderia receber se o projeto não tivesse mudado de OLPC para UCA.

V. E agora?

Enfim, temos o UCA, e em breve, esperamos, ele será expandido por todo o Brasil. Cabe perguntar: e agora?

Se, há poucos anos era realmente difícil imaginar um cenário em que a totalidade dos alunos de uma escola pública brasileira pudesse portar seu próprio laptop, hoje perguntamos que diferença esse projeto está fazendo na vida desses alunos?

Antes a dificuldade era latente não apenas pelas dimensões continentais do Brasil, mas também porque, apesar de o país ostentar a oitava ou mesmo a sétima posição no ranking da economia mundial, o custo dos computadores, mesmo os mais simples, ainda estava muito distante da realidade. Hoje, poucos anos depois, esse cenário já é bastante diferente nas trezentas escolas participantes do Programa UCA espalhadas por todo o país, mas que impacto isso tem causado na aprendizagem dessas crianças?

A iniciativa do Governo Federal, em tese, tem viabilizado não apenas que cada aluno das escolas participantes receba seu laptop, mas também que cada escola receba a infraestrutura de rede sem fio necessária para distribuir acesso à Internet dentro de suas dependências. Entretanto, lembro-me, com preocupação, da frase de um educador australiano, Bruce Dixon [5], em que ele disse: “A pior tragédia que pode ocorrer na área da educação é digitalizar todo o conteúdo que hoje é usado na educação, melhorar a infraestrutura tecnológica da escola para que ela possa estar disponível para os alunos 24 horas por dia, sete dias por semana, 52 semanas por ano, prover cada aluno com seu computador pessoal, para que possa aprender a qualquer hora e a partir de qualquer lugar, e, no entanto, constatar que nada mudou, substancialmente, na educação.”

Além de a escola permanecer como está, os alunos, em suas casas, em suas comunidades, também permanecem como estão. E assim permanecerão, enquanto a escola continuar achando que deve monopolizar o acesso dos seus alunos às tecnologias digitais.

VI. Referências

5ª Conferência Internacional sobre Educação de Adultos (CONFINTEA), Hamburgo, Alemanha, 1997. Declaração Final e Agenda para o Futuro. Trad. Instituto Nacional de Administração de Portugal. Lisboa, Portugal: Ministério da Educação de Portugal, 1998.

PERRENOUD, P. Construir as Competências desde a Escola. Trad. Bruno Charles Magne. Porto Alegre: Artmed Editora, 1999.

SEYMOUR, P. em entrevista publicada no site da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. (http://www.dimap.ufrn.br/~jair/piu/artigos/seymour.html) Acesso: 14/06/2011.

UCA Projeto Um Computador Por Aluno. Formação Brasil: Projeto, Planejamento das Ações, Cursos. SEED, Ministério da Educação.

YANG, J; VALDÉS-COTERA, R. Conceptual Evolution and Policy Developments in Lifelong Learning. Hamburg, Germany: Unesco Institute for Lifelong Learning, 2011.

VII. Notas

[1] Toda a descrição do projeto OLPC apresentada neste texto, bem como do laptop projetado por Nicholas Negroponte, como parte essencial do projeto, foi baseada na tradução livre do site oficial do projeto. Vide texto e vídeos originais em <http://one.laptop.org/about/mission>. Acessado em 12/06/2011.

[2] Silvia Kist faz parte do time de aprendizagem da ONG One Laptop Per Child (OLPC), tendo trabalhado na implantação do projeto 1:1 em Ruanda. No Brasil, antes ingressar à OLPC, participou do grupo de pesquisas do LEC-UFRGS no projeto “Um Computador por Aluno”, sob orientação da professora Léa Fagundes.

[3] Vide entrevista publicada no site da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Disponível em: <http://www.dimap.ufrn.br/~jair/piu/artigos/seymour.html>. Acessado em 14/06/2011.

[4] Vide “Evolução Conceitual e Desenvolvimento de Políticas de Educação ao Longo da Vida”, da UNESCO, e “Declaração Final e Agenda para o Futuro” da 5ª Conferência Internacional sobre Educação de Adultos (CONFINTEA), Hamburgo, Alemanha, 1997.

[5] Vide contexto da citação no artigo “Tecnologia, Inovação, e Transformação: A Arte de Quebrar Paradigmas”, de autoria de Eduardo Chaves, disponível em seu Blog Liberal Space. Disponível em: https://liberal.space/2011/06/07/tecnologia-inovacao-e-transformacao-a-arte-de-quebrar-paradigmas/. Acessado em 17/01/2019.

Sudbury Valley School: Apresentação aos Brasileiros

Sudbury Valley School: Apresentação aos Brasileiros

Eduardo Chaves & Paloma Chaves

Sudbury Valley School (SVS) é uma escola criada em 1968 – começou a operar em Setembro, mês em que tem início o ano letivo nos Estados Unidos. Fez 50 anos, portanto, no mês passado. Já passou bem da meia idade. Mas seus fundadores continuam a demonstrar um frescor juvenil em suas ideias e, mais importante, em sua prática.

SVS de certo modo reflete a radicalidade desse ano marcante na história mais recente do mundo ocidental. Na França, o movimento de Maio de 1968 declarou, em defesa da liberdade, que é proibido proibir. A SVS foi criada em cima de um postulado semelhante que também é uma defesa radical da liberdade – no caso, da liberdade de aprender: além de ser proibido proibir, também é proibido obrigar. Essa é outra face da proibição de proibir: a proibição de obrigar. Uma face proíbe que eu seja proibido de fazer o que quer que seja que eu deseje fazer. O outra proíbe que eu seja obrigado a fazer o que quer que seja que eu não deseje fazer. Esta interdição, aplicada à educação, implica um conjunto de radicais proibições:

  • Ela proíbe que eu seja obrigado a seguir um currículo formulado por terceiros, em geral educadores que se julgam, mais do que especialistas, seres iluminados;
  • Ela proíbe que eu seja obrigado a engolir um cânon integrado pelas grandes obras de renomados autores do passado, sejam eles do ocidente ou do oriente, do norte ou do sul;
  • Ela proíbe que eu seja obrigado a ficar quieto e prestar atenção enquanto professores, supostamente depositários do conhecimento socialmente construído no passado, tentam fazer minha cabeça;
  • Ela proíbe que eu seja avaliado à minha revelia para que terceiros afiram o quanto eu absorvi e assimilei das informações e dos conhecimentos que professores tentaram me transmitir;
  • Ela proíbe que meus interesses sejam forçosamente canalizados para o atingimento de padrões (standards) que eu me recuso a aceitar mas que, supostamente, definem o que uma pessoa bem educada deve saber, deve saber fazer e deve fazer ao fim de sua escolarização…

Mas a radicalidade da SVS vai mais adiante ainda…

Alguém pode inquirir se uma organização fundada nessas premissas pode se designar como uma escola. A resposta que a SVS dá a essa pergunta é claramente afirmativa. Uma escola é um ambiente privilegiado de aprendizagem em que as pessoas – crianças, adolescentes e mesmo adultos – livremente aprendem, e que foi estruturado para que ali elas não só aprendam em liberdade mas, também, aprendam a exercer a sua liberdade em comunidade, vale dizer, respeitando iguais direitos de todos.

Essa visão da educação e do papel da escola é mais radical do que a apregoada por defensores de home schooling (educação no lar) ou mesmo de unschooling (educação sem escolas). No caso tanto de uma como de outra dessas alternativas, não se garante ao aprendente um ambiente de aprendizagem livre da pressão da autoridade da família, em especial dos pais. Essa autoridade, ainda que exercida com a melhor das intenções, em geral limita, cerceia e constrange, mesmo que sutilmente, a liberdade de aprender do aprendente e lhe tolhe o direito de ser o protagonista de sua própria aprendência… “Por que você não lê / vê / faz isso, em vez daquilo?” “Por que a gente não visita esse site?” “Por que a gente não vai junto àquele museu de história natural? Garanto que vai ser divertido…” As tentativas de controle e manipulação mais difíceis de resistir frequentemente são aquelas fundadas, não na malevolência, mas nas boas intenções decorrentes da bemquerência

A SVS é parecida com uma república autodirigida de aprendentes. Ela tem documentos que funcionam como sua constituição (carta magna), suas leis ordinárias, suas normas práticas. Esses documentos foram aprovados em assembleias universaisda escola, que funcionam como seu congresso legislativo, em que cada participante da comunidade tem um voto e todos os votos têm igual peso: tanto o dos fundadores da escola como os dos membros mais novos da comunidade… E ela tem uma Suprema Corte, chamada de Judicial Committee, eleita pela comunidade, que se reúne semanalmente para adjudicar denúncias de violação das leis e das normas, indicação de que determinados membros da comunidade descumpriram sua carta maior, reclamações acerca de condutas de qualquer um da comunidade que parecem inadequadas e precisam ser discutidas para, se for ocaso, ser normatizadas.

Ou seja: a liberdade, no seio da SVS, não é incompatível com a lei e a ordem. Pelo contrário: é a existência da lei e da ordem que torna a liberdade possível e viável.

Como a liberdade de aprender é um princípio incorporado aos mais elevados documentos que regem a vida da comunidade, essa liberdade opera como um trunfo que serve para derrotar qualquer tentativa, seja ela dos fundadores ou do staff da escola, de fazer a cabeça dos aprendentes mais jovens, de doutrina-los, de limitar seus horizontes e de impedir que eles usem seus saberes e saber fazeres, sua criatividade, e sua liberdade para livremente definir seu projeto de vida pessoal e trabalhar para que se torne realidade.

A escola não tem diretores, nem professores, nem funcionários, enquanto tais: tem um staff. A autoridade é investida na assembleia da escola, que é soberana, e que, jurídica e tecnicamente, hoje é dona da escola. Em princípio, nada impede que o fundador da escola, nosso amigo Daniel Greenberg, seja demitido da escola. Isso pode parece um absurdo mas a comunidade leva a sério as suas responsabilidades, tanto no plano pessoal como no coletivo.

A escola é pequena. No momento tem cerca de 140 aprendentes: cerca de 130 que poderiam ser chamados de alunos, cuja idade varia de quatro a vinte anos, e oito que fazem parte do staff. Esses oito ganham um salário para trabalhar na escola, assumindo diversas tarefas. Não há a figura do diretor nem a figura de professores.

Que pais têm coragem de colocar seus filhos numa escola assim, que literalmente afirma não ensinar nada, não tem currículo, não tem aulas, não tem avaliações na forma de testes, provas e exames? Daniel Greenberg esclarece que são basicamente dois os perfis: aqueles que acreditam na proposta libertária da escola e aqueles que já tentaram quase todas as demais escolas e não ficaram satisfeitos com os resultados…

Certa vez, em 2003, ao ser perguntado a respeito do que a escola fazia com pessoas matriculadas nela que não demonstrassem nenhum interesse em aprender alguma coisa, Daniel Greenberg, o idealizador e principal fundador da escola respondeu que essa hipótese é basicamente nula, porque colocando cerca de 140 pessoas num mesmo ambiente por pelo menos cinco horas por dia (exigência do Estado de Massachusetts, mas cada um decide quando serão cumpridas suas cinco horas em cada dia), e dando a cada um tempo para explorar as alternativas antes de decidir, sem pressões, com base em seus talentos e seus interesses, o que ele gostaria de aprender, na escola, e, oportunamente, de ser, na vida, todos iriam descobrir pelo menos uma paixão que poderia se tornar um projeto de vida e, mais tarde, uma vida vivida.

Indagado a respeito de qual a idade mais elevada em que um aluno resolveu, por exemplo, aprender a ler e escrever, Daniel Greenberg disse que foi treze anos (para um aluno que ingressou na escola aos quatro). Ao ser indagado sobre (a) se os pais não ficaram preocupados e (b) se o aluno tornou-se fluente na leitura e na escrita depois de quantos anos, as respostas foram objetivas e não tergiversaram: quanto à primeira, os pais acreditavam na proposta, e, por isso, não se abalaram, até porque seu filho estava aprendendo uma série de outras coisas importantes em sua vida na escola; quanto à segunda, antes de chegar aos quinze anos completos, em menos de dois anos, portanto, o aluno “atrasado” lia e escrevi tão bem quanto os melhores leitores e escritores da escola.

A escola definitivamente não tem um viés academicista. Se alguém resolve estudar música a fundo, para criar uma banda quando sair da escola, ou se tornar um concert pianista, ok; se resolve aprender a cozinhar para um dia se tornar um chef, ou um dono de restaurante que sabe o que faz, ok; se resolve tornar-se um mecânico de automóveis, ou um carpinteiro, ou um pedreiro, também ok; se resolve continuar seus estudos em Harvard, MIT, Boston University, todas as três vizinhas da escola, ok também – há alguns Ph.D. entre os ex-alunos. Um dos princípios básicos da escola é que não importa, para a instituição, e não deveria importar para os pais, o que os aprendentes resolvem fazer de suas vidas – mas importa que eles venham a fazer com excelência o que escolherem fazer.

Há uma questão que nos intriga cada vez que nos deparamos com experiências inovadoras bem sucedidas, especialmente uma como esta, com cinquenta anos de estrada. Se o sistema educacional, digamos, convencional, tem apresentado resultados tão ruins, mesmo na educação básica de países como os Estados Unidos, por que uma ideia como a de Sudbury não se espalha para todas as escolas? Na opinião de Daniel Greenberg, a razão é simples. As pessoas não querem, de verdade, arcar com o alto nível de responsabilidade que a liberdade implica. É muito mais fácil ser conduzido, ter alguém que tome as decisões e assuma a responsabilidade pelos eventuais problemas decorrentes das escolhas feitas.

Sexta-feira passada, 12/10, estivemos lá, a Paloma e o Eduardo, acompanhados de uma prima da Paloma, Denise Machado Leme, concert pianist, que também mora na vizinhança da escola, mas não a conhecia. Eduardo ficou conhecendo a escola no início dos anos 2000, e, em 2003, convidou Daniel Greenberg, seu principal fundador, para participar de uma Mesa Redonda num Congresso organizado pelo Instituto Ayrton Senna e patrocinado pela Microsoft Informática Ltda. (Microsoft Brasil), cuja coordenação técnica ficou a seu cargo. O congresso está mencionado no artigo “Sudbury Valley School”, publicado por Eduardo, em seu blog Chaves Spacehttps://chaves.space/2018/10/14/sudbury-valley-school/. Nesse artigo há mais detalhes sobre a visita dos três à SVS.

Por enquanto, é isso. Voltaremos à carga.

Eduardo e Paloma Chaves

Em Harvard, Cortland e Chicago, de 12 a 17 de Outubro de 2018.

A Educação Integral de Anísio Teixeira e a Educação Comunitária de Moacir Gadotti

Em seu relato sobre a Escola Parque da Bahia, Anísio Teixeira propôs um modelo de escola de período integral que oferecesse aos alunos “experiências de educação primária, que revelasse aos seus habitantes a importância da educação para solução de seus problemas de vida e pobreza”.

A escola seria dividida em dois espaços distintos: A Escola-Classe seria um espaço de educação formal, inclusive organizado de forma seriada, com grade curricular, etc. O outro espaço seria a Escola-Parque, em que os alunos se organizariam “dominantemente pela idade e tipo de aptidões”, em grupos menores que os da Escola-Classe, para participar de atividades de trabalho, educação física, atividades sociais, artísticas e de organização e bibliotecas.

Na Escola-Parque, o aluno teria a oportunidade de participar de forma ativa da comunidade escolar, desenvolvendo competências importantes de cidadania e autonomia, além de vivenciar experiências diversificadas de educação, em oficinas, atividades esportivas, teatro e demais atividades artísticas, etc.

Já a proposta de Gadotti, em seu artigo “A questão da Educação Formal/Não-Formal”, é a de que a Educação Não-Formal fosse reconhecida como um importante complemento da Educação Formal, por meio de atividades educativas na própria cidade.

Na realidade ele não pretende colocar a Educação Não-Formal em oposição à Educação Formal, pelo contrário, ele pretende aproximar os dois modelos para que de fato a formação dos alunos seja completa e significativa.

Não dá para falar em Educação Comunitária sem pensar em Educação Democrática, por isso Gadotti, enfatiza que a Escola Cidadã é parceira da Cidade Educadora. Aliás, ele vai além, sugerindo que uma somente existe graças à existência da outra, isto é, uma Escola Cidadã, participativa, pertencente à comunidade só pode existir se a comunidade também for ativa, que se apropria dos seus espaços e os transforma em Cidade Educadora.

Sob essa perspectiva o foco do trabalho da Escola Formal seria o de desenvolver a cidadania em cidadania. Seria criar uma nova cultura em relação ao espaço público, para que de fato este fosse encarado como “público”. Talvez a proposta de Gadotti busque a derrubada dos muros da escola, em um movimento de duas vias, isto é, a escola se empenhe para sair de seu mundo fictício, e entrar no mundo real, comunitário, e a comunidade, por sua vez, se aproprie desse espaço que de fato o pertence, participando de forma ativa em suas ações.

Tanto Gadotti quanto Anísio sonham com a Educação Democrática, porém suas propostas se diferenciam no fato de que Anísio gostaria de “criar” uma espaço diversificado de aprendizagem significativa, e para Gadotti não é necessário se criar esse espaço, uma vez que ele já existe, sendo a própria cidade.

Em Salto, 18 de Março de 2018.

(Nota: Este artigo foi escrito e publicado, originalmente, em um antigo Blog meu, em 23/03/2006)

e-Portfólio – Curso Tecnologias Digitais e Metodologias Ativas

Há uma semana iniciei o curso a distância Tecnologias Digitais e Metodologias Ativas, ministrado pelo Prof. José Moran e pela Profa. Denia Falcão.

O curso começou com um Hangouts onde nos apresentamos, conhecemos um pouco a respeito dos colegas que estão conosco nesse projeto, conhecemos uma visão geral do curso e tiramos algumas dúvidas práticas sobre o uso de alguns recursos digitais que utilizaremos ao longo das nove semanas de curso.

Hoje teve início o Tema 1: Aproximação. Uma das atividades envolve a análise da minha própria prática docente. Essa análise deverá ser publicada em um e-Portfólio (portfólio digital). Para isso eu utilizarei este meu Blog velho de guerra.

Nas próximas semanas, portanto, publicarei aqui as atividades relacionadas ao meu e-Portfólio, utilizando a hashtag #e-portfólioTDMA.

Espero que esse material seja útil, também, para os leitores deste Blog.

Em Salto, 22 de Agosto de 2016.

Projeto Âncora

Equipe IFSP

Como parte de uma das atividades do Grupo de Pesquisa sobre Pedagogias Alternativas do qual sou membro, no IFSP (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo), tive a alegria de conhecer pessoalmente o Projeto Âncora esta semana.

Há muito tempo me lembro de ter ouvido o querido José Pacheco falar desse projeto, do qual ele faz parte, e eu tinha muita vontade de conhecê-lo de perto.

Duas outras vezes na vida eu tive o privilégio de experimentar essa sensação. A primeira foi em 2005, quando conheci a Escola Lumiar, em São Paulo; a segunda, em 2010, quando conheci a Escola da Ponte, em Vila das Aves, Portugal. Cada uma delas foi uma experiência encantadoramente única, e no Projeto Âncora, em Cotia, não foi diferente.

O Projeto Âncora teve início em 1995 por iniciativa de Walter Steurer, e até 2011 era apenas uma ONG que, dentre outras atividades, atendia crianças no contraturno da escola, com oficinas diversas, como Circo, Mosaico, Skate, Música…

No ano em que Walter “virou natureza”, a ONG decidiu virar escola. Mas não uma escola como aquelas que abrigavam as crianças da ONG no turno. Eles queriam uma escola diferente, especial. Daí a vinda do José Pacheco para ajudar nessa missão.

Placa Sr. Walter

A escola faz lembrar uma boa mistura da Ponte com a Lumiar… Os dispositivos pedagógicos, como o roteiro e o planejamento, além dos formatos de agrupamentos de alunos (Iniciação, Desenvolvimento e Aprofundamento), são similares aos da Ponte. Mas o currículo totalmente flexível, com foco em Competências e Habilidades, em que os conteúdos aparecem de acordo com o interesse dos alunos, é mais parecido com o da Lumiar.

A vocação de ONG, com suas oficinas fantásticas, é uma característica tão marcante quanto peculiar do Projeto Âncora. A ONG e a escola se misturam, harmoniosamente, sem parecer ONG, e sem parecer escola. Sorte dos alunos…

Os professores, lá chamados de tutores, têm pelo menos dois papéis bem distintos, tal qual acontece na Lumiar. De um lado, eles orientam grupos de aproximadamente 15 alunos, na condição de parceiros, em seu percurso de aprendizagem, ajudando-os na construção e execução de seu roteiro pessoal de estudos, e em seu planejamento diário (como os tutores da Lumiar). De outro, eles conduzem os alunos nas oficinas e demais projetos que acontecem na escola (como os “mestres” na Lumiar). Mas no Âncora os tutores desempenham os dois papéis, e na Lumiar, cada um desempenha seu papel. Outra diferença é que no Âncora são os alunos que escolhem seus tutores.

Fomos conduzidos pelos alunos para conhecer a escola, como na Ponte. E eles são adoráveis…

Abaixo algumas fotos, para guardar na memória e no coração. ❤

 

Em Salto, 7 de Abril de 2016.

Matética: A Arte de Aprender

Enquanto estava elaborando o “Plano de Ensino” de uma das disciplinas que ministrarei a partir do início do ano letivo de 2016, no IFSP – Campus Capivari (a saber, História da Educação e Psicologia da Educação), fui provocada pelo meu marido e mentor Eduardo Chaves, e estou pensando nisso até agora…

Não me considero uma professora tradicional. Pelo contrário. No espectro educacional me vejo muito mais próxima do extremo da inovação do que do extremo da tradição. Não sou o tipo de professora que se sente confortável em cima do palco da sala de aula falando enquanto os meus alunos ouvem. Entendo que a aprendizagem é muito mais importante do que o ensino, e por isso, meus alunos precisam ser protagonistas em sala de aula. Não vejo meus alunos como uma tabula rasa, e nem tampouco como pessoas que nasceram prontas, mas entendo que a partir da interação (diálogo) com o mundo, e com as outras pessoas, eles aprendem. Aprendizagem ativa, para mim, é (quase) um pleonasmo vicioso, pois não seria aprendizagem se não fosse ativa.

Educação, para mim, é muito mais do que um processo de transmissão de conhecimentos (nem acredito que seja possível transmitir conhecimentos… quando muito, informações, que eventual e oportunamente podem ser transformadas em conhecimentos pelos alunos, de forma ativa). Nem acho que o papel da escola se restrinja a transmitir o legado cultural produzido pelas gerações passadas às gerações mais novas.

Educação, para mim, é um processo de desenvolvimento humano, que se inicia no nascimento e só termina quando a vida acaba. Educação, portanto, é um processo que acontece ao longo de toda a vida, como afirma a UNESCO, e não apenas na escola.

Aprendizagem, por sua vez, em minha concepção, não é o processo de assimilação de conteúdos ensinados pelos professores, mas sim um processo de desenvolvimento de competências, que envolve conhecimentos (inclusive os produzidos pelas gerações passadas), habilidades, valores, atitudes, etc.

Essa visão de educação e de aprendizagem, a meu ver, é suficiente para me caracterizar como uma professora não tradicional.

Trabalho com colegas que também se consideram inovadores, que proporcionam aos seus alunos experiências de aprendizagem muito significativas, baseadas em projetos, e focadas na resolução de problemas, etc.

Pois bem… Apesar de tudo isso, eu, e todos esses meus colegas, estamos fazendo um “Plano de Ensino”, em vez de um “Plano de Facilitação da Aprendizagem”, por exemplo. A despeito dessa concepção pedagógica, os recursos que listamos para utilizar com os alunos estão classificados como “Recursos Didáticos”, em vez de “Recursos Matéticos”.

Sim, matéticos. Conforme explica o Eduardo em um post de 2006 (10 anos atrás!), se a didática se refere à arte de ensinar, a matética se refere à arte de aprender. Se o foco do nosso trabalho em sala de aula está na aprendizagem, já passou do tempo de repensarmos alguns termos que estão tão arraigados em nosso vocabulário, que nem pensamos mais sobre o significado deles.

Como disse o Eduardo, acho que somente o Papert e ele costumam utilizar esse termo. Nem o Google acredita quando a gente faz uma busca por essa palavra. Ele logo sugere a palavra Matemática no lugar…

Por que ninguém fala em Matética nas escolas? Será que é porque ainda é o professor, com seu ensino, que está no centro do processo?

Em Salto, 14 de Janeiro de 2016.

A Questão da Progressão Continuada na Educação

Encontrei um link para uma reportagem, no Facebook, cujo título era: “Cidade no sertão acaba com progressão continuada e vira modelo de educação no Brasil”.

O curioso é que a reportagem listou uma série de medidas interessantes tomadas pela Prefeitura de Sobral, no Ceará, para melhorar a qualidade da educação em seu município, mas o fim da progressão continuada não foi sequer mencionado…

Não vou, nesse momento, discutir as estratégias que muitas escolas do Brasil, inclusive de Sobral, têm adotado para se sair bem em avaliações externas que se propõem a medir a qualidade da educação. Vou me ater à questão da progressão continuada que já é controversa o suficiente para render um post. Também não irei me aprofundar nesse assunto, mas apenas levantar algumas questões.

Vejo muitos problemas na forma como o sistema de progressão continuada está implantado, mas a proposta, em si, na minha opinião, está muito longe de ser ruim. Na verdade, é muito boa!

Sou de uma época em que os níveis de evasão escolar eram absurdos! Dos 100% de alunos que ingressaram comigo na antiga 1a série do 1o Grau, apenas 6% concluíram a última série do 2o Grau! Se fossem feitos testes como o ENEM, naquela época, certamente os resultados seriam muito bons! O nível intelectual constatado desses alunos seria bem elevado! Afinal, eles sobreviveram a um processo de seleção rigorosíssimo, e se mostraram mais aptos, ao melhor estilo darwiniano.

O problema está nos 94% dos alunos que ficaram pelo caminho. Certamente sua ausência serviria para não prejudicar os resultados positivos das avaliações externas, se estas fossem realizadas. Mas alguém parou para pensar que eles foram excluídos do sistema de ensino, em alguns casos, muito cedo, e por isso, pagaram, e ainda pagam, junto com a sociedade, um alto preço?

Não que eu acredite que a escola seja o único lugar em que nos preparemos para a vida e para o trabalho (aliás, talvez a escola seja o lugar em que menos aprendamos coisas de fato importantes para a vida e para o trabalho), mas a escolaridade ainda é um critério importante de seleção no mercado de trabalho. O fato de uma pessoa ter menos escolaridade se traduzirá, na grande maioria das vezes, em menos oportunidades e renda para ela, na sociedade em que vivemos. Por isso o prejuízo pessoal e social gerado quando os alunos se evadem da escola é muito maior do que quando eles concluem o Ensino Médio, ainda que com desempenho escolar inferior à média.

Notem que eu disse “desempenho escolar“. O conjunto de conhecimentos avaliados em provas como o ENEM e outras avaliações dessa natureza, na grande maioria dos casos, só tem relevância para a escola, ou para a instituição que a elaborou, e não para a vida. Quantos profissionais que você conhece precisam ter ótimo desempenho nas diversas áreas do conhecimento, como Química, Física, Biologia, Matemática, Língua Portuguesa, História e Geografia, além de línguas estrangeiras? Como você, que já é um profissional estabelecido no mercado, se sairia nessas provas?

Então, o que exatamente representariam os resultados de avaliações que excluíssem alunos que têm baixo desempenho, segundo os critérios de uma avaliação padronizada, centralizada, externa, tamanho único, distante das diversas realidades que compõem um país de dimensões continentais como o Brasil e que não consegue captar o desenvolvimento de diversas habilidades e competências importantíssimas para a vida real, fora da escola, fora dos vestibulares?

Nesse mesmo sentido, o que querem dizer os resultados das avaliações feitas hoje, com alunos que concluem o Ensino Médio graças ao sistema de progressão continuada, mas que não conseguem ter bom desempenho em todas as áreas do conhecimento?

Aliás, para que servem, afinal, essas avaliações externas, além de gerar rankings nacionais, acirrando a competição entre escolas privadas e até públicas, pautando o currículo de toda a educação básica, tornando-o inchado e cada vez menos relevante para a formação integral de seus alunos?

Em Salto, 03 de Janeiro de 2016

A Educação e as Verdades Absolutas

Quem de nós nunca acreditou em verdades absolutas?

Especialmente durante nossa vida escolar somos bombardeados com informações que nos são apresentadas como verdades incontestáveis.

Aprendemos, por exemplo, que Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil em 1500; que uma ilha é uma porção de terra cercada de água por todos os lados; que todo ser humano nasce, cresce, se reproduz e morre; que o Brasil encontra-se na América do Sul, abaixo dos Estados Unidos, que fica na América do Norte; dentre várias outras verdades. Quase todas essas verdades são reforçadas por meio dos conhecidos exercícios de “verdadeiro ou falso”, em que apenas uma resposta é verdadeira. E desde muito cedo aprendemos a não pensar sobre a veracidade de fato ou origem dessas informações, afinal, isso é parte do conhecimento historicamente acumulado e ponto.

Não é sem razão que muitos de nós passa a vida inteira acreditando em verdades absolutas. E a maioria passa a vida inteira tentando conhecer esses conceitos, descobertas ou invenções que parecem já ter nascido junto com a humanidade, ou que, quando muito, parecem ter sido criadas por seres iluminados, muito diferentes de nós, pobres mortais.

Há alguns anos eu comecei a entrar em crise em relação a essa ideia de “verdade absoluta”. Na ocasião eu estava retomando a docência no Ensino Fundamental, após passar aproximadamente seis anos afastada da área. Em meu programa curricular estava previsto que eu deveria ensinar aos meus alunos o que era o Efeito Estufa. Então eu tentei resgatar em minha lembrança o que eu sabia sobre esse assunto, e percebi que meu conhecimento era muito superficial. Eu apenas me lembrava que ele era um vilão, um “cara do mal”, que estava tentando acabar com a humanidade.

Decidi então pesquisar um pouco sobre o assunto. Consultei alguns livros didáticos que estavam disponíveis na escola em que eu trabalhava, na rede pública, e verifiquei que eu estava no caminho certo. Mas achei que os livros também falavam muito superficialmente sobre o assunto.

Felizmente eu estava retomando minha carreira na era da Internet. Cheguei em casa e resolvi fazer uma pesquisa em um site de busca muito menos sofisticado do que o atual Google, afinal o ano era 2001, e naquele tempo, não apenas as ferramentas de busca na rede eram precárias, como também o conteúdo disponível para consulta era um sem número de vezes menor do que hoje. Mesmo assim encontrei uma homepage de um estudante de biologia que me apresentou uma versão completamente nova da ideia de efeito estufa.

Segundo aquele estudante, o efeito estufa era um fenômeno natural de concentração de gases na atmosfera, que têm como característica a capacidade de reter o calor do sol. Não são todos os gases que têm essa capacidade térmica, mas os do efeito estufa têm. Graças a essa capacidade, é possível haver vida na Terra. Não fosse o efeito estufa, a temperatura média da terra seria de –18ºC, o que inviabilizaria a sobrevivência senão de todas, da maioria das espécies, incluindo a espécie humana.

Meu mundo caiu… Então eu quis entender como o efeito estufa, de mocinho, havia se tornado um vilão, e descobri que um dos gases do efeito estufa é o CO2, mais conhecido como Gás Carbônico. Com o aumento de emissão de Gás Carbônico na atmosfera, ou seja, com o aumento da poluição do ar, ocorreu uma concentração muito acima do normal desse gás (dentre outros gases), provocando o aumento da temperatura até um patamar que oferece risco ao equilíbrio ecológico.

Então, na realidade, a vilã é a poluição, e não o efeito estufa.

Posso dizer que meus alunos tiveram uma experiência de aprendizagem muito rica, pois percorri junto com eles todo esse caminho, e eles não apenas aprenderam o que era o efeito estufa, conforme estava previsto no meu conteúdo programático, mas também aprenderam a desconfiar de algumas informações que são passadas nos livros como se fossem verdades absolutas.

Pouco tempo depois li uma reportagem na revista Veja (que lamento não ter guardado), que dizia que o quilo estava ficando mais leve. Achei muito interessante o título. Percebi que estava diante da quebra de outro paradigma, afinal nunca havia parado para pensar em quem havia definido que um quilo pesava um quilo, e nem imaginei como e quando isso teria acontecido.

Embora eu não tenha aquela matéria, encontrei um artigo correlato no site da agência FAPESP, escrito em 2005, que explica esse fenômeno (“O quilo não pesa um quilo”), que eu acho que vale a pena ser lido, pois mostra a fragilidade de alguns conhecimentos científicos que são tidos como as verdades mais absolutas possíveis.

Para reafirmar essa fragilidade do conhecimento científico, desde o dia 24 de Agosto de 2006, portanto há cinco anos, toda a Terra foi surpreendida com a notícia de que o planeta Plutão, que sempre foi planeta (desde que eu me conheço por gente), simplesmente deixou de ser, por uma decisão da comunidade científica.

Essas verdades absolutas são contadas aos alunos não apenas do Ensino Básico, mas também, e principalmente, do Ensino Superior. No mundo acadêmico, quando se pronuncia a palavra “científico”, as pessoas parecem ter não apenas a impressão, mas a certeza de estarem falando de uma verdade absoluta.

Hoje cedo vi um link compartilhado em um grupo de discussão do Facebook, que trazia uma reportagem da revista Galileu Galilei abordando exatamente essa questão. A matéria intitulada “Desconfie da Ciência” denuncia outro tipo de distorção que a comunidade científica acaba provocando (com ou sem intenção). A forma como se divulga uma pesquisa científica pode ser muito perigosa, levando as pessoas a acreditarem em fatos que não são verdadeiros.

Que nós educadores estejamos atentos ao conhecimento historicamente acumulado, tendo sempre um olhar crítico, e valorizando muito mais o processo por meio do qual ele foi construído, do que o produto supostamente final desse processo.

E que tenhamos consciência do nosso papel na formação de alunos também críticos, que sejam muito mais autores do que consumidores de conhecimento.

[Este artigo foi originalmente publicado no Blog “Tec Educ” do Colégio Visconde de Porto Seguro, em Agosto de 2011 – http://teceduc.portoseguro.org.br/a-educacao-e-as-verdades-absolutas/]

Robótica na Educação Infantil

O termo “robótica” é usado, em geral, fora da área da educação, para se referir à automação de processos por meio de dispositivos mecânicos eletroeletrônicos programáveis (às vezes chamados de servomecanismos) que, quando acionados, fazem as ações que foram programadas a fazer. O que se chama de “robótica educacional” (ou “robótica pedagógica”) é o uso da robótica em contextos pedagógicos em que o objetivo é levar o aluno a entender o que é a robótica e a construir artefatos robóticos que, com graus progressivamente maiores de complexidade, fazem coisas úteis ou interessantes.

A robótica educacional, portanto, tem sido introduzida nas escolas com muito sucesso desde a Educação Infantil. É evidente que, com crianças pequenas, que ainda não têm maturidade intelectual suficiente para programar as atividades de controladores, motores, sensores, etc., o que se chama de “robótica educacional” é um estágio preliminar e preparatório para o estágio em que os alunos vão de fato lidar com o aprendizado da robótica. Neste estágio preliminar, eles são desafiados a construir objetos e cenários com as peças que normalmente são usadas em construções robóticas reais, assim lidando com as dificuldades inerentes no processo de solução de problemas, inicialmente simples, mas cada vez mais complexos.

Além de servir de fundamento para a aprendizagem de competências mais complexas, que acontecerá nas fases de desenvolvimento subsequentes, a robótica educacional também tem cumprido a função de contribuir para o desenvolvimento de competências, habilidades, atitudes e valores fundamentais para as crianças da própria Educação Infantil.

Minha experiência no trabalho na Educação Infantil atualmente se organiza da seguinte forma: os alunos são desafiados a construir um objeto, em grupo, a partir de uma meta estabelecida, dentro de um tempo delimitado (normalmente bem limitado) e utilizando apenas os recursos disponíveis.

Essa estratégia de definir algumas limitações contribui para o desenvolvimento da criatividade, isso porque as limitações têm a característica de servir de estimulo à criatividade, uma vez que forçam a criança a buscar caminhos alternativos, diferentes dos óbvios, dos mais fáceis.

Antes de iniciar a montagem, em roda, são discutidos os principais elementos que devem ser contempladas no objeto que será construído. Os alunos são estimulados a trabalhar com autonomia, buscando o material a ser utilizado, e se organizando, enquanto grupo, na divisão de tarefas. É importante destacar, no entanto, que a autonomia que é buscada dentro dessa proposta, não prescinde da colaboração. Muito pelo contrário, é uma autonomia que a engloba. Portanto, os alunos contam, sempre que necessário, com o apoio dos próprios colegas e da equipe docente, inclusive, no processo de desenvolvimento da própria autonomia.

Durante a construção são feitas intervenções, problematizações, questionamentos, e são oferecidas dicas de caminhos possíveis para a resolução de problemas, para que os alunos consigam avançar em suas hipóteses e aperfeiçoar suas produções.

Ao término do tempo combinado os alunos apresentam e discutem suas produções. Nesse momento, além de apreciar as montagens dos outros grupos, eles têm a oportunidade de explicar o processo de construção de sua própria montagem, revisitando seu percurso, sistematizando sua aprendizagem

Da forma como está organizada, a robótica educacional contribui para o desenvolvimento de habilidades de comunicação, relacionadas à oralidade, à capacidade de ouvir, de argumentar, de negociar.

Ela permite, também, a exploração de conceitos multidisciplinares como, classificação, formas geométricas, simetria, mecanismos de máquinas simples, esportes, artes, cotidiano, etc. envolvendo áreas como Matemática, Física, Ciências, Arte, dentre outras.

O material estruturado, com formas cores e funcionalidades específicas, favorece grandemente o desenvolvimento do raciocínio lógico matemático.

Por ser organizado dentro de uma rotina clara e com procedimentos previamente definidos, o trabalho contribui para o próprio desenvolvimento da capacidade de organização do aluno.

Dentre outras coisas, a robótica educacional na educação infantil possibilita às crianças, portanto, a compreensão de conceitos abstratos a partir da exploração de recursos concretos.

Ao mesmo tempo que valoriza o lúdico, o brincar, a robótica educacional também busca o vínculo com a realidade, com o mundo real que está além dos muros da escola.

Trata-se de um projeto pautado na resolução de problemas que estimula o espírito investigativo e possibilita que os alunos levantem e testem suas próprias hipóteses, contribuindo, assim, para a formação do pensamento científico.

Na robótica educacional prevalece a prática do “aprender fazendo” em contraposição ao “aprender ouvindo” e ao “aprender lendo”. Mesmo neste estágio preliminar, ela permite preservar, no ambiente pedagógico, em que o aprender vai ser mais e mais em decorrência do ouvir e do ler, o aprender fazendo, hands on, mão na massa.

A vivência de situações de trabalho em equipe permite que os alunos conheçam, desde cedo, a importância e os benefícios da divisão de tarefas, além de estimular o desenvolvimento da capacidade de liderança, de colaboração, de fazer escolhas e assumir suas consequências.

Nas situações em que a meta não é atingida, o aluno aprende ainda a lidar com a frustração, e aprende a avaliar seus procedimentos para desenvolver novas estratégias.

A concepção que está por trás dessa proposta visa, em última instância, ao protagonismo e à autoria dos alunos.

Trata-se, por fim, de um recurso que oferece muita diversão, pois, por ser de interesse do aluno, propicia situações de aprendizagem significativas e, acima de tudo, prazeirosas.

[Este pequeno artigo foi escrito em Junho de 2012 mas não foi publicado até hoje. Após alguns pequenos ajustes, tenho a satisfação de torná-lo público, na expectativa de que ele contribua com o trabalho outros profissionais da educação]

Em São Paulo, 8 de Maio de 2015.

Novos Rumos na Área de Tecnologia na Educação

Quando iniciei minha carreira na área de Tecnologia na Educação, havia uma discussão importante acontecendo, que envolvia não apenas a concepção de uso das tecnologias digitais na escola, mas também o currículo, propriamente dito.

Naquela época, no início dos anos dois mil, ainda predominava o modelo de laboratórios de informática. O custo dos equipamentos ainda era muito alto, por isso as escolas criaram esses espaços com alguns poucos equipamentos para uso coletivo da comunidade escolar. Para organizar esse uso compartilhado, a escola colocou as chamadas “aulas de informática” na grade escolar, garantindo que todos os alunos tivessem acesso aos computadores, em regra, uma vez por semana, durante o período de uma aula. O foco era a inclusão digital. O que seria ensinado nessas aulas ainda não era tão relevante. O importante era que todos tivessem acesso aos computadores.

Os professores, todos imigrantes digitais, não tinham muita familiaridade com as tecnologias digitais nem para uso pessoal, quanto mais para uso pedagógico. Muitos não sabiam sequer ligar um computador. Diante disso, não bastava a escola disponibilizar computadores. Era necessário também providenciar algum profissional que soubesse operar aqueles equipamentos. Donde a contratação, em muitos casos, de um técnico de informática para cuidar do laboratório.

Esses dois fatores (custo dos equipamentos e necessidade de profissional especializado) levaram muitas escolas a terceirizar essa área. Algumas empresas se especializaram em fornecer locação de equipamentos e também mão de obra especializada para manutenção dos equipamentos e ministração de aulas de informática. Algumas dessas empresas, com uma visão, digamos, mais pedagógica, procuravam formar os professores para o uso pedagógico das tecnologias. Mas a maioria disponibilizava apenas um profissional, com perfil mais técnico do que pedagógico, para dar as aulas aos alunos da escola, enquanto os professores de sala de aula, aliviados, se viam livres desse encargo.

Se em um primeiro momento não se deu muita importância ao conteúdo das aulas de informática, não demorou muito para que os professores começassem a questionar não apenas o conteúdo, mas a própria necessidade das aulas de informática.

Os alunos saiam de suas salas para ir até o laboratório aprender conteúdos específicos de informática. Hardware: componentes internos e periféricos; Softwares: sistema operacional, aplicativos básicos (editor de texto, planilha eletrônica e editor de apresentação); e, quando muito, os chamados jogos educativos, que, na época, ainda eram utilizados por meio de CD-ROM. As experiências mais progressistas envolviam a aprendizagem de programação, por meio de aplicativos como o LOGO (embora essa linguagem seja bem anterior aos anos dois mil). Essas experiências eram mais progressistas porque a aprendizagem de programação se assenta no domínio de uma lógica voltada para a solução de problemas — os problemas que o programa deve resolver.

Mas muitos professores ficavam com a sensação de que seus alunos estavam perdendo um tempo precioso de aula, deixando de aprender aquilo que era importante no currículo, para ficar jogando joguinhos no laboratório ou fazendo desenhos utilizando LOGO. Na maioria das vezes esses professores tinham razão.

A discussão que estava acontecendo sobre essa concepção de uso de tecnologia na educação, era justamente em função dessa questão. Em termos de concepção a questão central era: a escola deveria estar a serviço da tecnologia, ou a tecnologia, a serviço da escola? Colocando em outras palavras, a escola, enquanto espaço privilegiado de ensino, deveria incluir em seu currículo conteúdos específicos de informática, ou a informática deveria ser utilizada para ajudar os alunos a aprender o currículo da escola, qualquer que fosse o seu conteúdo?

A opção pela segunda alternativa veio acompanhada de uma demanda. Somente os professores dominavam os conteúdos de sala de aula, enquanto os profissionais com perfil mais técnicos, que entendiam de computadores, não conseguiam fazer essa ponte entre as tecnologias e a educação, vale dizer, os conteúdos curriculares.

Nesse contexto surgiram os profissionais oriundos da área pedagógica que se especializaram no uso das tecnologias digitais. Esses profissionais passaram a ser contratados para ajudar na integração das tecnologias ao currículo escolar. O papel desses profissionais passou a ser muito mais o de formador e parceiro dos professores de (e em) sala de aula, do que de professores de informática. O trabalho não acontecia apenas em sala de aula, uma vez por semana, portanto. O profissional da área de tecnologia na educação e o professor de sala de aula passaram a planejar juntos as aulas e os projetos. As tecnologias passaram a provocar algumas mudanças no próprio currículo da escola, uma vez que elas ampliaram as possibilidades pedagógicas.

Muitas mudanças ocorreram desde então. Afinal, quinze anos se passaram, e quinze anos, na área de tecnologia, é muito tempo!

A Internet mais unidirecional (que disponibilizava informações de um para vários) cedeu espaço para a chamada Web 2.0, mais interativa, possibilitando que usuários comuns, sem conhecimentos técnicos, pudessem disponibilizar informações na rede, em vez de apenas consumir o que era disponibilizado por especialistas. Os Blogs e, posteriormente, as Redes Sociais, permitiram que pessoas se conectassem e interagissem multidirecionalmente (de um para vários, de vários para um e de vários para vários). Isso revolucionou a forma como as pessoas se comunicam e, considerando o papel central da comunicação nos processos de aprendizagem, esse fenômeno também transformou a forma como as pessoas aprendem. Esses recursos possibilitaram que os alunos pudessem usar as tecnologias para exercer o protagonismo, a autoria, passando de consumidores a produtores de informação. Isso não só permitiu, mas motivou e causou muita mudança em sala de aula.

A mobilidade também revolucionou o acesso à informação. A proliferação de tecnologias móveis e convergentes (que integram vários recursos em um único aparelho, cada vez menor, como é o caso dos smartphones) não apenas derrubou o custo das tecnologias, possibilitando a ampliação significativa do acesso a elas, como também possibilitou que as pessoas tivessem acesso à informação em qualquer lugar e a qualquer momento, e não apenas nas aulas de informática, durante uma aula semanal. Dentro da escola, as tecnologias passaram a ocupar todos os espaços, deixando de ficar confinadas aos antigos laboratórios. Fora da escola, as tecnologias passaram a estar presentes na vida real das pessoas, em suas atividades cotidianas, em seus momentos de lazer, de trabalho e de aprendizagem não-formal, aquela que acontece ao longo de toda a vida.

É verdade que o Brasil, um país com dimensões continentais, e que enfrenta tantos problemas sociais e de infraestrutura, ainda não superou integralmente a questão do acesso às tecnologias. Mas pouca gente imaginava, vinte anos atrás, que a inclusão digital se daria tão rapidamente e principalmente através do telefone celular inteligente. Além disso, aqui no Brasil, ainda não podemos desfrutar plenamente de toda o potencial da Internet, envolvendo vídeo, uma vez que o país ainda não dispõe de acesso à Internet de alta velocidade na grande maioria de seu vasto território. Os avanços, porém, são inegáveis, e muitas escolas, tanto privadas quanto públicas, já vivem essa realidade há alguns anos.

Muitos alunos que estavam em sala de aula utilizando essas tecnologias naquele início de século, hoje já estão do outro lado, na posição de professores, utilizando as tecnologias em sala de aula com seus alunos.

Essa nova geração de professores que aos poucos está ocupando a escola, já é nativa digital. Não precisa mais de um profissional que o ajude a integrar as tecnologias ao currículo. Eles não apenas já dominam essas tecnologias para uso pessoal, como também já têm familiaridade com o uso pedagógico delas.

Esse novo cenário levanta algumas questões importantes: Será que em algum momento os profissionais qualificados da área de tecnologia na educação, tão importantes na década passada, se tornarão dispensáveis na escola? Em caso positivo, quanto tempo falta para que isso aconteça? O que acontecerá com esses profissionais quando sua função se tornar obsoleta? Qual o futuro, afinal, das tecnologias digitais na escola?

Alguns países, como o Reino Unido, que certamente já superaram totalmente a questão do acesso às tecnologias digitais, e já dispõem de acesso de qualidade à Internet há algum tempo, já substituíram, desde o final do ano passado, o currículo nacional de Tecnologias de Informação e Comunicação, por um novo, voltado à Computação. Na prática, as escolas não estão mais preocupadas com a integração das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) ao currículo, pois essa integração já aconteceu. A tecnologia já está presente de forma ubíqua, transparente, nas escolas. Os alunos já aprendem utilizando as ferramentas tecnológicas como meio, e não como fim.

Diante disso, e considerando o fato de que as tecnologias estão tão presentes no cotidiano das pessoas, gerando novas demandas, o governo decidiu criar um currículo que ajude a formar o pensamento computacional nos alunos desde a mais tenra idade. Aulas de programação, por exemplo, são introduzidas no currículo desde o Ensino Fundamental. Essa aulas permitem não apenas que os alunos produzam games e outras aplicações úteis, inclusive para a escola, como também desenvolvem o raciocínio lógico, a competência de resolução de problemas, o trabalho em equipe e outras competências importantes no século XXI. Está a filosofia de LOGO ressuscitando sob novas roupagens? Scratch não é um filhote de LOGO? Pelo menos nasceu no mesmo lugar…

Essa tendência já é observada tanto em países mais desenvolvidos, como aqui mesmo, no Brasil. E torna-se inevitável chamar a atenção para esse fato que é, no mínimo, curioso. Isso porque aquela discussão do início do século, sobre a concepção e o currículo da área de Tecnologia na Educação, retornou. E aparentemente ocorreu uma reviravolta. O currículo, digamos, mais tecnológico, tão criticado naquele contexto, adquiriu, hoje, ar de inovação. O uso da tecnologia como meio, como ferramenta de aprendizagem, transversalmente integrado ao currículo, saiu do foco. Agora volta-se a falar em aulas, mas não de informática (aplicativos como Office, etc.). Fala-se em aulas de programação ou de robótica (que também envolve programação), o que, na prática, está muito mais próximo das atividades antigamente centradas em LOGO do que da integração transversal das tecnologias ao currículo escolar. Volta-se a pensar em um currículo específico da tecnologia. Pergunto: estaria a escola de volta ao serviço da tecnologia? Acho que não, porque a aprendizagem da programação e da robótica tem componentes essenciais daquilo que há algum tempo se chama de competências do século XXI. Em outras palavras: a aprendizagem da tecnologia, na forma de programação e robótica, está a serviço de alguns dos objetivos mais básicos da educação do século XXI. .

Quem são os profissionais mais qualificados para esse novo papel da tecnologia na escola? Seriam os profissionais com viés mais pedagógico ou tecnológico? Como os professores de sala de aula lidariam com esse nova visão do papel da tecnologia na educação escolar? Essa nova visão contribui para a implementação do currículo escolar ou concorre ele, que já é tão inchado, com tanto conteúdo para ser ministrado em tão pouco tempo? Será que essas competências do século XXI, que podem tão bem ser desenvolvidas com o apoio e a ajuda da tecnologia, devem constar do currículo geral da escola, ou devem ser inseridas em, digamos, um currículo opcional — um “currículo extracurricular”, se isso não soasse autocontraditório?

Enquanto as TDIC ainda não estão totalmente integradas às salas de aula no contexto brasileiro, enquanto ainda há professores imigrantes digitais, que não se sentem totalmente confortáveis com o uso das tecnologias, especialmente no contexto pedagógico, ainda será necessária a presença de um profissional da área de tecnologia na educação, com qualificações pedagógicas, mas atuando como um parceiro mais experiente no uso pedagógico das tecnologias. E o modelo mais eficaz de trabalho desse profissional certamente não é o das antigas aulas de informática, em laboratórios, em encontros semanais somente com os alunos, sem um professor regular, mas, sim, deve envolver os momentos de planejamento, o apoio à produção de recursos de aprendizagem, a formação em serviço, e também, os momentos de sala de aula, junto com os alunos, como um parceiro de fato.

Por outro lado, caso se entenda que o currículo tecnológico, ou computacional, é realmente imprescindível para a formação de todos os alunos, talvez seja necessário se pensar em aulas específicas, na grade curricular, em vez de um “currículo extracurricular”. Essas aulas poderiam ser de programação, de robótica, de produção de games, ou, até aulas de prototipagem, da chamada maker culture, com viés de engenharia. Poderiam, também, incluir elementos de protagonismo e empreendedorismo. Entretanto, os profissionais mais qualificados para esse segundo eixo do trabalho de tecnologia na educação talvez seja mais tecnológico (programador, web designer, engenheiro, etc.), sem dispensar uma formação na área de educação, como licenciatura, a exemplo do que ocorre com os demais professores especialistas da educação básica, tanto do Ensino Fundamental II, quanto do Ensino Médio.

Em Salto, 17 de Abril de 2015.

A Propósito da Mudança no Currículo do Ensino Fundamental na Rede Estadual de Ensino

Minha amiga Ká Teixeira publicou no Facebook, um dia desses, um link para uma matéria do site Revista Fórum que falava sobre a recente alteração no currículo das escolas da rede pública do estado de São Paulo (http://revistaforum.com.br/spressosp/2013/02/governo-estadual-altera-curriculo-do-ensino-fundamental).

Já tinha ouvido outros comentários a respeito, invariavelmente em tom de crítica e até indignação.

Pensei bastante e resolvi expor a ela minha opinião pessoal. Transcrevo a seguir:

“Eu não conheço essa proposta do Governo do Estado, a não ser por intermédio das informações noticiadas pela imprensa… Mas tenho refletido sobre uma reforma curricular há alguns bons anos. E confesso que a mim não soou tão mal essa ideia…

Sempre achei patética a forma fragmentada, compartimentada, fracionada, segmentada com que o conhecimento é apresentado no currículo prescrito, isso para não mencionar a falta de contextualização e significação, mesmo… Sempre fui favorável a uma concepção curricular interdisciplinar ou até mesmo transdisciplinar, que vê o conhecimento de forma holística, orgânica…

Sempre que possível, eu procurei trabalhar dessa forma, por meio de projetos, a partir de situações problemas vinculadas ao mundo real, independentemente da disciplina que estava prevista na grade curricular… E avalio que meus alunos tiveram a oportunidade de aprender sobre diversos assuntos de forma bastante significativa…

Na época do apagão, por exemplo, meus alunos [da antiga 4a série] pesquisaram sobre fontes alternativas de energia de forma bastante aprofundada, e investiram muitas aulas discutindo possibilidades sustentáveis de produção de energia, bem como sobre possibilidades de economia de energia por meio de mudança de atitude em sua vida cotidiana. Tudo isso a despeito de o conteúdo previsto no currículo prescrito, proposto no livro didático, se restringir a um texto superficial explicativo sobre a energia elétrica. Portanto, nunca me senti dominada por essa grade que insiste em aprisionar professores e alunos.

Nessas reflexões, sempre considerei a possibilidade de um dia acabarem com as disciplinas de Ciências, História e Geografia, que inclusive sempre foram menosprezadas pela maioria dos professores polivalentes que eu conheci. Também já considerei a possibilidade de acabarem com as disciplinas de Matemática e Português, o que, na prática, para mim, significaria a mesma coisa…

Isso porque, especialmente nos primeiros anos do ensino fundamental, Português e Matemática não [deveriam ter] conteúdo próprio. São disciplinas focadas em habilidades e competências, ligadas à comunicação e raciocínio lógico, que servem de base para se aprender qualquer outra coisa.

Por outro lado, sem algum conteúdo para ser discutido, não há como se desenvolver essas habilidades e competências… Portanto, o conhecimento a ser explorado, na verdade, está em todas as outras áreas… E, de verdade, pouco importa se o aluno vai aprender sobre fontes alternativas de energia, ou sobre a fotossíntese. Escolher este ou aquele conteúdo é, normalmente, uma arbitrariedade, ou fruto de uma decisão política que raramente leva em consideração o interesse e as habilidades dos alunos, bem como os fatos cotidianos relevantes, que tornam significativo o assunto a ser estudado.

Usar as ciências naturais e sociais como conteúdo para se desenvolver habilidades e competências de comunicação e expressão e raciocínio lógico sempre me pareceu o melhor caminho.

Retirar da grade essas disciplinas não significa proibir os professores de abordar esses temas, mas talvez possa representar a liberação dos professores e alunos para estudar todos esses temas em todas as outras aulas… [e não apenas os temas, mas as habilidades e competências específicas dessas áreas]

Só para encerrar esse post, mencionarei outra experiência que vivi…

Há alguns bons anos trabalhei em uma escola em que as professoras da 4a série (5o ano) se dividiam por áreas. Uma dava aula de Português, a outra de Matemática, e eu dava aula de Ciências, Geografia e História. Assim nos dividíamos entre três salas. As professoras mais experientes ficaram com as duas disciplinas [consideradas] ‘mais importantes’, e eu, em começo de carreira, fiquei com essas disciplinas [supostamente] ‘menos relevantes’…

Certa vez estávamos estudando os planetas e descobrimos que um livro dizia que a Terra tinha dois terços de sua superfície coberta por água, enquanto outro livro dizia que, na realidade, eram três quartos. Imediatamente surgiu a dúvida: será que ambos significam a mesma coisa? Se não, o que é maior, 2/3 ou 3/4? Começamos a estudar frações empolgadamente quando fomos interrompidos por um aluno que estava confuso, e absolutamente escolarizado. Ele questionou: ‘Professora! Podemos estudar isso na aula de Ciências??? Isso não é Matemática???’ [:-(]”

Foi muito bom ver meus alunos desenvolvendo habilidades de comunicação e expressão na língua materna e de raciocínio lógico matemático, além de outras competências importantíssimas ligadas à pesquisa, aos pensamentos crítico e científico, entre outras, sem a pressão e chatice conteudista das disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática…

Acredito que o protesto dos professores especialistas até seria procedente se fosse afetar seu emprego, mas não é o caso nesse nível de ensino. Mas o protesto dos professores polivalentes é, para mim, no mínimo curioso… Eu, em lugar deles, veria essa mudança como uma grande flexibilização no currículo, que me permitiria trabalhar essas áreas de forma transversal…

O que me levou a pesquisar Avaliação de Competências no Mestrado…

(Transcrição da Introdução de minha dissertação de mestrado, defendida na PUC, dia 31/08/2012).

Foi quando cheguei à adolescência e cursava os últimos anos do Ensino Fundamental (então chamado de Ensino de Primeiro Grau) na rede pública estadual em Ubatuba/SP, que tive consciência, pela primeira vez, de que os professores em geral obrigam seus alunos a estudar uma grande quantidade de coisas que pouco contribuem para suas vidas. Quem sabe esses conteúdos sejam de interesse dos professores? Imaginei eu, inicialmente… Desde então concluí que, talvez, nem isso. Como a maior parte das coisas que eu era obrigada a estudar não tinha relevância para a minha vida, a única motivação que eu tinha para estudá-las foi obter a média mensal de que eu necessitava para prosseguir os estudos. Tendo facilidade para memorizar, não enfrentei maiores problemas para atender à “expectativa de aprendizagem” da escola. Entretanto, vários colegas não tiveram a mesma sorte. Isso me deixou indignada. Não conseguia aceitar passivamente o que me parecia ser uma arbitrariedade. Não entendia como a educação poderia se resumir a um processo de memorização de um conjunto de conteúdos e de demonstração da capacidade de memorização em provas bimestrais. Eu acreditava que a escola deveria e poderia ser muito mais do que isso: acreditava que ali deveríamos aprender coisas úteis para a nossa vida – úteis para aquilo que queríamos ser e fazer na vida.

Ao concluir o Ensino Fundamental, decidi prosseguir meus estudos ingressando no Ensino Médio (então Ensino de Segundo Grau), cursando a chamada Habilitação Específica do 2o Grau para o Magistério – Habilitação Profissional Plena, que substituíra o antigo Curso Normal. Isso aconteceu na mesma escola em que eu concluíra o Ensino Fundamental .

Nessa época tive o privilégio de conviver com professoras que tinham uma postura bastante crítica em relação à educação, mas com uma diferença: além de terem estudado (e, imagino, refletido) bem mais do que eu, elas tinham vivência e experiência, conheciam bem a prática escolar. Foram essas professoras as primeiras a me apontar alguns caminhos que levariam para uma educação diferente.

Concluí o Magistério em 1993, aos dezoito anos.

Nos anos seguintes da década de 90 importantes mudanças ocorreram na educação brasileira. Uma delas foi a aprovação da nova versão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB-EN) que vinha sendo discutida já há algum tempo (pelo menos desde a aprovação da nova Constituição Federal de 1988) e que foi aprovada no final de 1996. Além disso, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que iriam tirar um pouco o interesse dos conteúdos informacionais disciplinares do currículo para acrescentar-lhes, transversalmente, temas mais interessantes e significativos, contextualizados na vida real, também colocaram na pauta de discussão da pedagogia nacional a exigência de que o currículo fosse focado também (ou até preferencialmente) no desenvolvimento de competências e habilidades (mais do que na assimilação de conteúdos informacionais disciplinares), em regra interdisciplinares (ou até mesmo transdisciplinares), e que o trabalho pedagógico fosse pautado por uma metodologia centrada no desenvolvimento de projetos de aprendizagem voltados para a solução de problemas, em que a aprendizagem era ativa, interativa e colaborativa, baseada em pesquisas e investigações por parte dos alunos, trabalhando em equipe, não individualmente, em função de um objetivo comum.

Aos poucos fui percebendo que havia, na realidade, muita gente interessada em novos paradigmas para a educação, e que propostas inovadoras não eram nem escassas, nem tampouco recentes. Mas se as coisas eram assim, por que a escola não mudava? Por que tudo parecia continuar na mesma?

Em 1994 ingressei no curso de Pedagogia das Faculdades Metropolitanas Unidas, em São Paulo.

Os anos passados na universidade representaram um período de busca mais acentuada por uma educação transformadora. Mas, infelizmente, não encontrei muitas respostas na época. A busca sempre foi interessante, mas a ausência de respostas satisfatórias era muito frustrante.

Ao longo do meu curso de Graduação, decidi iniciar minha carreira docente. Procurei trabalhar em instituições que não massacrassem os alunos com conteúdos inúteis. Tive algumas boas, e muitas más, experiências.

Ao final de 1995, dois anos depois de ingressar no curso, um pouco desiludida com a escola, decidi abandonar a área da educação escolar. Isso se refletiu um ano mais tarde na minha escolha da Habilitação no Curso de Pedagogia ao entrar no quarto e último ano do curso: Supervisão de Ensino nas Empresas (que era uma habilitação voltada, não para escolas, mas para a área corporativa de Recursos Humanos).

Ao terminar o curso, em 1997, fui trabalhar na área empresarial, numa empresa de tecnologia, mas não com Recursos Humanos: dediquei-me com interesse às tecnologias da informação e comunicação (“informática”). Não cogitei, naquele momento, de prosseguir meus estudos na Pós-Graduação. Mas minha experiência com a tecnologia foi decisiva para os rumos que minha carreira veio a tomar.

No início de 2001, cerca de cinco anos depois de abandonar a educação escolar, tomada por um sentimento de que minha verdadeira área era a educação, e não o treinamento corporativo. Acabei retornando a trabalhar na área, agora como professora dos primeiros anos do Ensino Fundamental, na rede pública municipal de São Bernardo do Campo, SP, na Grande São Paulo.

Nos sete anos que passei lá, de 2001 a 2007 (inclusive), fui professora de sala de aula, professora de apoio no Laboratório de Tecnologia da Informação, formadora de professores no uso pedagógico da tecnologia e coordenadora de implantação de espaços diversificados de aprendizagens nas escolas, dentre os quais estavam os Laboratórios de Tecnologia da Informação.

Foi durante um momento de formação organizado pela Escola do Futuro da Universidade de São Paulo (USP) para a equipe da Secretaria de Educação e Cultura de São Bernardo do Campo que ouvi falar, pela primeira vez, da experiência da Escola da Ponte, em Portugal. O contato com os artigos de Rubem Alves, publicados originalmente no jornal Correio Popular, de Campinas/SP e mais tarde transformados em livro, se tornou um novo marco em minha carreira – na verdade, na minha vida. Todas as inquietações que me moveram no início de minha formação retornaram de forma muito mais contundente. Pesquisei amplamente essa que parecia ser uma proposta realmente inovadora até que, em 2004, me deparei com a experiência da Escola Lumiar, aqui mesmo em São Paulo, resultado do empreendedorismo social de Ricardo Semler.

A partir desse momento, nenhuma proposta me pareceu tão inovadora como a criada por Semler, com o apoio de um grupo de educadores por ele convidados. O grande diferencial, se comparado a qualquer outra experiência inovadora, pareceu-me ser justamente o currículo (área que havia provocado minha primeira crise com a educação). A proposta da Escola Lumiar ousou abandonar o interesse único nos conteúdos disciplinares constituídos de informações e conhecimentos para propor um currículo organizado na forma de conjuntos de competências e habilidades.

Como que por presente do destino, tive a honra de ser convidada para trabalhar no Instituto Lumiar, entidade mantenedora das escolas Lumiar. Comecei lá em Janeiro de 2008. Minha função era a de buscar meios de articular o referencial teórico das escolas com sua prática pedagógica efetiva, além de ajudar na criação e implementação do Mosaico Digital, que seria o sistema computadorizado de gestão de aprendizagem da Lumiar. Esse software deveria articular a matriz de competências (currículo) com um banco de projetos de aprendizagem que seriam oferecidos aos alunos (metodologia) e resultar em portfólios de aprendizagem, que seriam os registros dos itinerários e percursos efetivos dos alunos nesse processo, que seria usado como base para sua avaliação.

No trabalho de coordenação das atividades pedagógicas da rede de escolas me deparei com o que hoje considero o grande desafio de uma escola que pretende trabalhar um currículo focado em competências e habilidades por meio de uma metodologia de projetos de aprendizagem: a avaliação. Não é difícil avaliar, por meio de testes, provas e exames, se os alunos absorveram as informações e os conhecimentos que lhes foram passados pelos professores. Mas não parece viável avaliar o desenvolvimento de competências e habilidades por meio desse tipo de instrumento. Mas se não por esse, por que tipo de instrumento?

Aqui está a origem do meu interesse em pesquisar especificamente a avaliação de competências e habilidades no contexto escolar do Ensino Fundamental.

Mapear o conjunto de competências e habilidades que uma escola espera que seus alunos desenvolvam, entender como se dá desenvolvimento de competências e habilidades por parte dos alunos, e encontrar formas de avaliar e apresentar esse processo aos próprios alunos e aos professores, pais, gestores e mantenedores pode ser a chave para a consolidação e o fortalecimento de experiências pedagógicas inovadoras que poderão servir de base para a transformação da educação brasileira.

No entanto, esse é um mega desafio que requer uma vida inteira para ser adequadamente enfrentado. No escopo desta dissertação de Mestrado meus objetivos são bem mais realistas, e, por conseguinte, restritos e modestos, como a seguir se verá.

Em São Paulo, 17 de Outubro de 2012.

Descrevendo a Aprendizagem

Aprendemos o tempo todo, mas raras vezes paramos para pensar sobre como aprendemos. Desafiada pelos meus professores Fernando Almeida e Graça Moreira, busquei em minha adolescência uma experiência de aprendizagem sobre a qual gostaria de refletir.

O processo foi interessante, e o resultado está registrado a seguir:

Aprendendo a Dirigir

Minha aprendizagem de direção foi bastante significativa.

Informalmente, eu aprendi a dirigir aos 16 anos de idade. Digo informalmente porque não foi na autoescola. Na ocasião eu morava em Ubatuba, e tinha um namorado que tinha um fusca. Tinha a impressão de que já sabia tudo o que eu deveria saber para conseguir dirigir, pois sempre observei meu pai dirigindo, com foco em tentar entender como ele fazia para conduzir o carro. Então percebi que a observação focada é um fator muito importante para a aprendizagem.

Identifiquei rapidamente que os componentes básicos envolviam 3 pedais, um para acelerar, um para frear e um para mudar de marcha; um câmbio com 4 ou 5 marchas, além da ré; e o volante. A função de cada um desses componentes estava clara. O câmbio era o mais abstrato, pois era muito sutil a diferença entre uma marcha e outra, com exceção da ré, que era a única inconfundível. Não bastou observar. Precisei perguntar a ele a função de cada um dos componentes, com exceção do volante, que percebi sozinha como operava. Talvez por ter, quando criança, dirigido carrinhos movidos a pedais dotados de volantes muito parecidos com os dos carros de verdade.

O desafio era entender como articular todos esses comandos, especialmente a aceleração concomitante à desembreagem (acabei de inventar esse termo), no tempo certo, empregando a força certa nas pernas, para que o carro saísse do lugar e não morresse ao mesmo tempo. Só a prática foi capaz de me ensinar isso…

Quando sentei no carro pela primeira vez para dirigi-lo, notei que havia vários outros fatores envolvidos. Primeiro o posicionamento do banco. Meus pés tinham de, não apenas alcançar os pedais, mas o suficiente para pisar neles deslocando-os até o fundo. Para isso, não basta mover o banco para frente. O encosto também desempenha uma função importante nesse processo.

Depois me deparei com o processo de ligar o carro, girando a chave na ignição e acelerando levemente o carro (pois naquela época poucos carros, se é que havia algum, possuía injeção eletrônica). Parecia algo simples, mas a chave não virava, pois era necessário virar um pouco o volante, de modo a destravá-lo. Esse macete eu tive de aprender antes de conseguir ligar o carro pela primeira vez.

Outro componente novo para mim era o freio de mão, que, quando acionado, dificultava significativamente a saída do carro do lugar. No meu caso apenas dificultava, pois o carro era tão velho e cheio de problemas, que era capaz de andar mesmo com o freio de mão puxado. Depois aprendi que carros bem ajustados não andam quando o freio de mão está puxado.

Além desses itens novos, notei que havia um conjunto de espelhos que deveria estar posicionado de modo que eu pudesse visualizar algumas partes externas do carro. Inicialmente era difícil imaginar que parte do carro precisava ser vista de dentro. Depois de tentar tirar um carro estacionado entre outros dois, foi fácil perceber que eu precisava visualizar, por exemplo, a lateral, de modo que não raspasse nos carros ao lado.

Por fim eu notei que havia uma ordem mais adequada para proceder com todos esses ajustes. O freio de mão, por exemplo, só deveria ser desacionado após o carro já estar ligado. E o carro só deveria ser ligado após os espelhos e bancos estarem ajustados. Os espelhos, por sua vez, só deveriam ser ajustados depois que o banco estivesse posicionado no lugar certo. Hoje parece simples, mas no início era difícil saber o que fazer primeiro.

Após algumas tentativas mal sucedidas, finalmente consegui tirar o carro do lugar e andar alguns metros sem que ele morresse. Descobri que a embreagem e o freio possuem uma relação de dependência desigual. Com o carro em movimento, o freio jamais pode ser acionado sem que a embreagem o acompanhe. Mas ela, a embreagem, não depende do freio para ser acionada. Assim percebi que a embreagem funciona como parceira tanto do freio (na hora de parar o carro) quanto do acelerador (na hora de colocar o carro em movimento).

Depois eu fui descobrindo a função de outros componentes como, seta, farou baixo, farol alto, farol de milha, farol de neblina, lanterna, limpador de para-brisa, pisca alerta, limpador de para-brisa, cinto de segurança (que naquela época era completamente dispensável), etc., além do painel com todas aquelas informações sobre velocidade, combustível, óleo, temperatura, etc. Há realmente muitos recursos no carro e é muito difícil aprender a usar cada um deles. Mas é mais difícil ainda coloca-los todos em funcionamento, simultaneamente, quando necessário.

Em Ubatuba não havia semáforos. Então demorou muito tempo até que eu conseguisse aprender a dirigir olhando para os semáforos e para o chão ao mesmo tempo. Em minhas primeiras experiências de direção em São Paulo, já devidamente habilitada, inúmeras vezes passei pelo farol vermelho. Normalmente quem me acompanhava é que me perguntava se eu havia notado que tinha passado por um farol vermelho, mas eu sequer tinha visto o farol, quanto mais a cor que ele estava exibindo… Por sorte nunca sofri nenhum acidente (e nem causei), e, também por sorte, não havia o atual código de trânsito e nem a atual fiscalização eletrônica, senão eu certamente teria perdido minha habilitação.

Por outro lado, por morar em Ubatuba, muito cedo aprendi a transitar em rodovias, como a Rio – Santos e a Oswaldo Cruz, que liga Ubatuba a Taubaté. Dirigir em rodovia é bastante complexo. Na estrada, por exemplo, há o desafio da ultrapassagem. O carro que vem no sentido contrário chega muito mais rápido ao seu lado, do que você pode imaginar. Portanto, aprendi que só poderia ultrapassar quando não houvesse carros vindo no sentido contrário há uma boa distância, que em metros, até hoje não sei dizer quantos são.

Na estrada os carros mantém uma boa distância uns dos outros, e essas pistas nas quais eu andava eram de mão dupla. Assim, fiquei bastante confusa e com torcicolo quando andei pela primeira vez na Marginal Tietê em São Paulo. Vários carros andando lado a lado, em velocidades diferentes e trocando de faixas todo o tempo me proporcionou uma experiência bastante tensa!

Mas o pior foi quando andei por uma rua apertada, com carros estacionados dos dois lados, e, de repente, me deparei com um carro vindo de frente em direção ao meu. Era óbvio que não seria possível passarmos os dois por aquele espaço apertado. Desesperada, larguei a direção, o acelerador, a embreagem e apenas me lembrei de pisar no freio com tudo. Depois do tranco, o carro morreu meio de lado na rua. Nervosa, ainda tive de ligar o carro novamente, engatar a ré, e recuar alguns metros para dar passagem para aquele outro carro inconveniente…

Em termos teóricos a autoescola foi a que mais me auxiliou, embora muita coisa eu já soubesse desde criança. A sinalização de trânsito que importa, como por exemplo, as placas de proibido estacionar, contramão, proibido ultrapassar, ou as faixas de proibido ultrapassar, por exemplo, eu já sabia pela observação e pergunta. O semáforo eu já sabia desde antes de me conhecer por gente. Nem sei explicar como, mas o fato é que eu já sabia que vermelho era para parar, verde para andar, e amarelo para ficar atenta, pois ele ficaria vermelho em seguida.

Na autoescola aprendi sobre outras placas e sinalizações que eu desconhecia, e aprendi sobre outras tantas que eu nunca mais vi em lugar nenhum, senão no livrinho da autoescola. Lá eu também aprendi legislação de trânsito. Todo esse aprendizado foi bastante útil para a prova teórica que eu fiz, e na qual fui aprovada com nota máxima. Pouco daquilo foi útil para o exercício prático da direção. Mesmo porque, até a legislação de trânsito daquela época já ficou ultrapassada.

O que eu aprendi na autoescola que me foi útil para a vida inteira foi como estacionar o carro. Aprendi um truque de baliza, posicionando o farol do carro de trás em determinado ponto do espelho retrovisor, e controlando as manobras para frente e para trás, que até hoje, quando vou estacionar, procuro seguir. No carro da autoescola havia uma marquinha em forma de “X” no vidro do carro e no espelho retrovisor que era infalível. Quando apliquei a técnica em outro carro, calculei aproximadamente aquelas distâncias.

Minha aprendizagem contou, portanto, com a colaboração de diversas pessoas (pai, namorados, instrutor da autoescola), mas também com a minha capacidade de observar, elaborar questões e ir em busca de respostas, refletir sobre as informações recebidas, estabelecer relações entre as informações novas e os meus conhecimentos prévios, praticar repetidas vezes buscando corrigir falhas ou aperfeiçoar procedimentos, etc.

Hoje entendo que dirigir é uma Competência, segundo o conceito de competência de Philippe Perrenoud, pois, para dirigir não basta conhecer coisas. Antes, é necessário mobilizar uma série de conhecimentos, habilidades e atitudes para conduzir o carro com eficiência e em segurança.

Em São Paulo, 01 de Junho de 2011

Escola: espaço privilegiado de ensino. Mundo: espaço privilegiado de aprendizagem.

A reflexão abaixo foi escrita, originalmente, para uma discussão no Facebook, que teve início a partir de um post meu que dizia: “Cada vez mais me convenço de que a escola é um espaço privilegiado de ensino, enquanto o mundo, do lado de fora da escola, é o espaço privilegiado de aprendizagem. E a educação está presente tanto na primeira, quanto no segundo… (Hoje eu quase apanhei por “pensar alto” sobre isso…)”.

No Facebook, muitas pessoas se manifestaram a favor dessa ideia, e algumas nem tanto. Mas, fora do Facebook, em outro contexto, essa ideia foi frontalmente rebatida. Resolvi transcrever aqui meu comentário do Facebook, porque acho que ele explora bem essa ideia (embora, ainda tenha muito mais coisas entaladas na minha garganta, que eu ainda pretendo escrever).

Segue a transcrição.

É curioso como uma crítica à soberania, onisciência e onipotência da escola é rapidamente interpretada como um discurso de desescolarização anárquico. Não que eu não simpatize com muitas das ideias de Ivan Illich… Mas também não significa que eu tenha levantado a bandeira da “morte à escola”.

Tenho plena consciência de que, para muitos, a escola fez (e continuará fazendo, eu espero) toda a diferença, proporcionando uma oportunidade de transformação de sua própria realidade (embora nem todos precisem transformar sua realidade…). No entanto há várias questões que estão por trás dessa crítica (e desse levante à crítica) que me preocupam e que merecem ser discutidas, sim…

Em primeiro lugar, achar que a escola é a salvadora da Pátria de todos é um engano. Há muita gente que aprende fora, tudo o que a escola ensina (e aprende melhor). Esse é o problema da generalização, da padronização, da centralização, do tamanho único… Além disso, nem sempre o que se ensina é aprendido, mas o que se aprende, se aprende. E o resultado da educação não é o ensino, mas a aprendizagem. Essa é uma das sutilezas da frase do post, que gerou essa discussão.

O segundo problema é achar que a escola é a única possibilidade de transformação. Ela pode ser uma, mas certamente não é a única. Melhor seria se ela se destituísse de sua arrogância, e permitisse que outras instituições coexistissem com ela nessa nobre missão de transformar o mundo. Juntas, diversas instituições poderiam proporcionar experiências de aprendizagem muito significativas para todos. É mais uma questão de quebra de monopólio, se me permitem esse perigoso sequestro semântico.

As mesmas pessoas que se levantam contra essa crítica à escola (normalmente pessoas que trabalham com educação, muitas vezes até em sala de aula) sabem perfeitamente que a escola não está dando conta de sua função, não apenas pelos resultados das avaliações nacionais e internacionais, mas pelo que salta aos olhos quando se entra em uma escola média, e se constata que grande parte dos alunos está desinteressada, que só faz as tarefas (quando faz) em troca da nota que precisam receber (precisam para quê?), que chega ao final do Ensino Fundamental sem ter desenvolvido algumas competências tão básicas como o domínio da língua materna. Essa escola que está aí hoje carece de profissionais qualificados (o que não pode ser traduzido por escolarizados ou titulados), valorizados, motivados, mas também não é competente na busca soluções para esse problema.

E o que falar dos poucos professores que, privilegiados, e a despeito de todas essas dificuldades, tendo essa qualificação, motivação, paixão, são veementemente censurados pelo próprio grupo ao tentar propor alguma ideia diferente dos outros. Pensar diferente do grupo é difícil. E essa pressão é muito mais forte do que se pode imaginar. Essa cultura da manutenção da realidade, do “fazer dessa forma porque sempre foi assim”, tem mantido a escola congelada, refratária a qualquer possibilidade de transformação, de inovação durante séculos. Quando, uma experiência mais interessante consegue adentrar a escola é pelas portas do fundo, e só sobrevive se quem a colocou lá dentro tem bastante estômago para aguentar as represálias que vêm em forma de isolamento, pelos próprios colegas, ou de perseguição, pela direção e coordenação.

E esse fenômeno não acontece apenas na escola pública. Na escola privada é o medo de perder matrículas que age, fazendo com que a direção mantenha o freio, de acordo com o que os pagantes opinam.

E isso eu denuncio não de forma irresponsável, ou baseada em achismos. Falo como alguém que conhece a escola, não apenas porque esteve em sala de aula até dois anos atrás, mas como alguém que conhece bastante teoria a respeito (sou Pedagoga e fiz Magistério), já andou por muitas escolas diferentes, especialmente públicas, trabalhando com formação de professores, e é entusiasta, estudiosa e apaixonada pela causa da educação, especialmente a Educação Básica.

Bons profissionais existem, sem dúvida, mas eles são cerceados o tempo todo pela burocracia, pela rotina exaustiva de quem tem de passar várias horas seguidas e (muitas vezes) ininterruptas com os alunos (como se esse estar junto fosse sinônimo de educação de qualidade), pelas barreiras regimentais da escola ou do sistema de ensino, e pela vaidade dos seus superiores e de seus pares.

Essa escola sequer tem conseguido preparar o aluno para a própria escola, quanto mais tem o ajudado a viver a vida real.

Se por muitos anos (muitos mesmo… desde que existe nesse formato como a conhecemos) a escola pôde se dar ao luxo de se manter acima do bem e do mal, estacionada no mesmo lugar, enquanto o mundo lentamente se transformava, agora dificilmente ela conseguirá sustentar essa posição. Hoje o mundo é mais veloz. Grandes mudanças transformam o mundo e a vida das pessoas, enquanto uma geração de estudantes sequer concluiu o Ensino Fundamental.

Isso não é uma projeção apocalíptica. Isso é o presente.

Mesmo que eu não deseje a morte da escola, não posso deixar de me perguntar: Até quando ela sobreviverá, agonizando como está?

Em São Paulo, 06 de Maio de 2011.

Minha Pesquisa de Mestrado

Resolvi retomar o meu Blog compartilhando um pouco do que tem sido minha experiência no Mestrado em Educação: Currículo da PUC-SP, no qual estou envolvida desde o segundo semestre do ano passado.

A seguir vou transcrever (com pequenas adaptações) uma reflexão que fiz recentemente acerca da relação entre uma das disciplinas que estou cursando este semestre, e a minha pesquisa, que tem como tema central a Avaliação de Competências.

Muitas escolas que atualmente ainda se enquadram no perfil de uma escola tradicional, seguidora de um currículo concebido com uma intencionalidade objetiva para uma sociedade que não existe mais, têm buscado formas de inovação, visando a superar o seu fracasso, não apenas perante sistemas de avaliações externas, mas perante seus próprios alunos, que estão cada vez mais desinteressados e distantes dessa escola.

Embora na maioria absoluta das vezes essa tentativa de inovação permaneça presa a antigos paradigmas, é inegável o esforço de um sem número de escolas que não admitem mais um discurso tradicional. No entanto, aparentemente essas escolas não conseguem desenvolver uma prática diferente.

Muitas dessas escolas estão buscando inovação por meio de uma revisão de seus currículos. Por vezes se observa um forte discurso voltado ao desenvolvimento de competências e habilidades. Essa tendência é observada no Brasil, tanto em redes públicas quanto privadas, e também em diversos países, inclusive aqueles considerados bem sucedidos nos exames internacionais de avaliação.

Esse tema não surgiu espontaneamente agora. Ela é fruto de reflexões que podem ser observadas concretamente, no Brasil, em documentos oficiais, como os antigos Parâmetros Curriculares Nacionais, lançados em 1997, e em documentos da Unesco, como o “Educação: Um Tesouro a Descobrir”, organizado por Jacques Delors em 1996.

Philippe Perrenoud também se tornou referência em discussões sobre esse tema, e popularizou aqui o uso desse termo na educação por meio de obras como “Construir as Competências desde a Escola”, “10 Novas Competências para Ensinar” e “As Competências Para Ensinar no Século XXI: a formação dos professores e o desafio da avaliação”.

Essa busca pela inovação curricular por meio da mudança de foco, dos conteúdos para as competências e habilidades , costuma esbarrar em alguns desafios. A própria falta de clareza quanto ao conceito de competência, que não é e nem pretende ser objetivo, é uma dessas barreiras.

Mas a maior barreira vem da dificuldade de se subverter todo um sistema educacional construído com base em um determinado currículo. Isso ocorre, pois são diversos os mecanismos de amarração desse sistema para atender às intenções específicas do currículo sobre o qual ele foi concebido.

Essas amarrações dizem respeito desde à organização das classes seriadas, ao tempo de duração da aula, ao período letivo, à organização das salas de aula e os recursos que se disponibiliza dentro dela, até ao sistema de avaliação concebido para aferir a aprendizagem dos alunos.

Neste último ponto reside o cerne da minha pesquisa. A metodologia e os instrumentos utilizados pelas escolas não são compatíveis com o novo currículo proposto. Testes e provas no formato convencional não são adequados para avaliar o desenvolvimento de competências e habilidades.

Pretendo investigar, portanto, que ajustes ou mudanças as escolas precisarão realizar para conseguir alinhar propostas de inovação curriculares com foco em competências e habilidades às avaliações, que devem servir não apenas para reorientar o próprio processo de aprendizagem do alunos e as práticas pedagógicas dos professores, mas também devem dar respostas à sociedade que quer e precisa saber se a educação formal tem cumprido o seu papel.

Analisando a ementa de uma das disciplinas que estou cursando neste momento, “Teorias e Práticas de Integração de Mídias e Currículo”, ministrada pelo prof. Fernando José de Almeida (meu orientador) e pela profa. Maria da Graça Moreira Silva, observo que ela vem totalmente ao encontro do meu projeto de pesquisa, pois discute justamente a origem dessa mudança social que trouxe à existência esses novos alunos que estão nas velhas escolas. Essa mudança, conforme vem sendo discutido durante o curso, é fruto, em boa parte, da revolução tecnológica que mudou as formas de relação da sociedade, e desta com o mundo e tudo o que é produzido nele.

Acredito que a própria revolução tecnológica, que provocou toda essa mudança, pode ser a chave para a reorganização desses processos na escola. Não a tecnologia sozinha, mas o uso da tecnologia a partir de reflexões sobre as teorias de aprendizagem podem levar à construção de uma nova prática pedagógica, coerente com as necessidades sociais atuais, e também as futuras, que cada vez mais se tornam imprevisíveis.

Em São Paulo, 12 de Abril de 2011.

Software Pra Que Te Quero

Este artigo foi escrito em 2003 e publicado em meu antigo site www.professorapaloma.com.br. Há cerca de um ano meu site foi desativado e este artigo saiu do ar. Em breve meu site será reativado. Enquanto isso, publico-o aqui, para quem quiser relembrá-lo.

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Existe uma grande quantidade de software disponível no mercado atualmente, e a tendência é que esse número cresça cada vez mais. Esses softwares surgem com uma velocidade tão grande e para aplicações tão diversas que fica muito difícil classificá-los para entendê-los. Nem mesmo as pessoas mais “antenadas”, conseguem acompanhar esse processo, e o que se vê é que muitos sequer ouviram falar acerca de determinados softwares, que dirá saber a aplicação deles.

No meio educacional, muito se ouve falar, por exemplo, sobre “software de autoria”, porém ainda não se chegou a um consenso sobre o que seja de fato.

Para alguns, software de autoria são as linguagens de programação, como as primitivas FortranCobolAssemblerPascal e Basic, e outras mais novas, como CVisual BasicDelphiCold Fusion e etc., através das quais é possível se criar qualquer tipo de software.

Normalmente, quando da criação de algum software educacional, os analistas programadores desenvolvem o programa e se utilizam de uma consultoria educacional para contribuir com o projeto. Em alguns casos, infelizmente mais raros, forma-se uma equipe multidisciplinar composta, entre outros profissionais, e de acordo com a proposta do software, de educadores e analistas programadores, para que cada um contribua com sua especialidade e juntos construam um produto de melhor qualidade. Isso ocorre também em qualquer outra área, como na medicina, direito e etc.

Ocorre que, com a democratização da informática, existe uma tendência mundial de que usuários comuns passem a desenvolver alguns softwares. Essa demanda forçou o próprio mercado tecnológico a desenvolver algumas ferramentas simples que possibilitam a esses usuários comuns a criação de softwares específicos menos complexos. Essas ferramentas também são consideradas “softwares de autoria”, pois são “abertas”, possibilitando a criação de outros softwares.

Em se tratando da área educacional, poderíamos citar o Logo (Linguagem Logo), como sendo um precursor desse tipo de software. Hoje em dia temos o Visual Class e o Everest entre outros, que possibilitam ao usuário comum a criação de softwares simples, contendo jogos, imagens, filmes, sons e texto. Com essas ferramentas é possível também se criar páginas de Internet.

Existem outras ferramentas que permitem criação por parte do usuário, porém são consideradas um pouco mais limitadas, por se restringirem a uma aplicação específica. Dentre as mais utilizadas na área educacional poderíamos destacar o Clic (software espanhol que possibilita a criação de alguns jogos), HQ (software que permite a criação de histórias em quadrinhos), Nestor (software de construção de páginas da WEB que oferece alguns recursos adicionais como mapa de navegação) e também poderíamos citar o FrontPage (opcional no pacote Microsoft Office, que é um dos editores HTML mais utilizados para construção de páginas de Internet).

Além de todos os softwares citados, vale a pena destacar o bom e velho PowerPoint, como uma excelente opção para criação, pois além de oferecer inúmeros recursos para construção de telas interativas, com hiperlinks, imagens, vídeos, sons e textos, ele é integrante do pacote Office, o que significa que praticamente todos os usuários já o possuem.

Já que estamos falando do Office, porque não lembrar dos outros famosos e utilíssimos aplicativos da família Microsoft, que podem ser ótimos aliados no desenvolvimento de projetos pedagógicos, principalmente quando integrados a outros softwares. Entre eles podemos destacar o Word (editor de texto ultra-sofisticado), Excel (planilha eletrônica com inúmeros recursos gráficos), o Access (banco de dados SQL) e até diversos softwares que acompanham o próprio Windows, como o Bloco de Notas (simples processador de textos), o Paint (editor de imagens simples, mas com boas possibilidades de uso), o consagrado navegador Internet Explorer, o poderoso tocador de mídias diversas Windows Media Player e o ousado Messenger (para comunicação instantânea utilizando-se imagens e sons).

São tantos softwares, tantos concorrentes, tantas possibilidades que o usuário comum facilmente se sente desnorteado, sem contar com a gama quase ilimitada de software freeware (programas gratuitos), shareware (programas gratuitos para se testar, mas que precisam ser adquiridos) ou mesmo adware (programas gratuitos suportados por anúncios e propagandas). Além disso, existem softwares para diversas plataformas e sistemas operacionais, só para citar os mais famosos, temos o próprio Windows com todas as suas versões disponíveis, o Linux, o BeOS, o Macintosh (apple), o Unix, o OS/2 e etc.

Para entender um pouco a diversidade e abrangência dos softwares basta acessar um site popular de downloads (como o Tucows), e verificar que lá existem mais de 30.000 softwares prontos para serem testados, utilizados e comprados.

Saber da existência dessas ferramentas simplesmente não basta para que se possa começar a desenvolver projetos, pois é necessário aprender a utilizá-las. Felizmente, junto com o surgimento a cada dia de novas ferramentas para criação, vêm também os chamados tutoriais, que são softwares auto-explicativos, que ensinam o usuário a utilizar outros softwares. Hoje em dia existem tutoriais aos montes que explicam acerca de praticamente todos os softwares existentes no mercado. Além disso, existem as listas de discussões na Internet, onde os usuários trocam informações sobre esses softwares e dessa forma aprendem tudo o que precisam.

Essa experiência de democratização do conhecimento é realmente fantástica! Os ambientes virtuais criaram uma espécie de rede de solidariedade, onde os usuários se ajudam mutuamente e não encontram barreiras para avançar nas descobertas e dominar todas essas ferramentas.

Diante de tantas possibilidades, basta agora decidir o que se quer fazer, encontrar a ferramenta mais adequada, aprender a utilizá-la e pronto, qualquer projeto já poderá se tornar real!

Em São Paulo, 13 de Dezembro de 2009.

Projeto Minha Terra

Concedi uma entrevista muito especial, recentemene, aos alunos da EMEF Padre Aldo Tofori, da Rede Municipal de São Paulo. Os alunos estavam trabalhando em um projeto do Educarede, o Minha Terra.

A professora orientadora do projeto, Beatriz Helena Rusu, amiga querida de longa data, me enviou um e-mail com a ficha do projeto e a descrição de seu desenvolvimento, que eu transcrevo a seguir:

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  • Projeto: Minha Terra 2009
  • Tema: Cidade e Cultura – Cultura Digital
  • Emef Padre Aldo Da Tofori
  • Nome da equipe: “Virtual ou Real?”
  • Professora orientadora da sala de leitura: Beatriz Helena Rusu
  • Alunos monitores da 7ª série
    • Adriana Porto
    • Gustavo Alves
    • Gustavo Silva
    • Larissa Ariana
    • Marcos Rodrigues

Começamos o projeto com 9 alunos, 3 desistiram e 1 mudou de escola.

Os alunos fizeram algumas leituras e pesquisas sobre as tecnologias e após fizeram uma pesquisa de campo (mostra), 40 questionários. A pesquisa nos mostrou que a comunidade utiliza-se de computadores, celulares e Internet. Apesar de nem todos ainda terem acesso ao computador e à Internet, usam LAN House e Telecentros mantidos pela prefeitura.

Os alunos fizeram resumos de textos que leram e utilizaram o PowerPoint para publicar gráficos dos dados tabulados dos questionários. Todos os textos e arquivos elaborados foram publicados na arquivoteca do Educarede.

Os alunos formularam as questões da entrevista para você [no caso eu, Paloma] e também para um jovem que trabalha numa lan house do bairro.

Publiquei dois vídeos no Youtube e no Canal Minha Terra 2009 (do rapaz da lan house e de um texto escrito por um aluno monitor).

Para encerrar este projeto eles estão fazendo uma apresentação para os colegas: intervenção – como navegar, quais sites são confiáveis e, o principal, utilizar a tecnologia para a aprendizagem e não apenas para lazer (jogos), e esclarecer que tecnologia não são apenas os aparelhos eletrônicos/digitais que conhecemos, que a tecnologia existe desde a idade da pedra, quando o homem inventou uma ferramenta ou quando o homem pensou em preparar a terra para o plantio.

O tema que os meus alunos escolheram era muito amplo….. ficou dificil pensar na intervenção a ser feita com a comunidade.

Mas valeu a pena…. um aprendizado e tanto!

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Me emociona ver um relato como esse, real, apaixonado. Que bom que existem projetos interessantes como esse, que transformam a aprendizgem escolar em uma experiência significativa, rica, vinculada ao mundo real, cujo produto é algo muito mais útil do que um texto para um único leitor ver, o professor.

Os alunos pesquisaram, aprenderam e agora estão compartilhando sua aprendizagem com outros alunos, buscando contribuir com a aprendizagem deles também.

Parabéns, Adriana, Gustavos, Larissa e Marcos. Parabéns, Bia. Parabéns equipe Minha Terra – Educarede. Parabéns à Secretaria de Educação do Município de São Paulo. Vocês estão fazendo a diferença. Estão mostrando que é possível uma educação diferente hoje. O futuro chegou ontem!

Transcrevo, a seguir, a íntegra da entrevista que concedi aos alunos. Soube que ela também será publicada no site do Minha Terra. Quando eu tiver o link, coloco aqui também.

Em São Paulo, 10 de Dezembro de 2009.

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Equipe: “Virtual ou Real?” – O que significa Internet para você?

Profª Paloma

Sem pensar na definição de Internet, sobre a qual falarei em seguida, Internet, para mim, significa a tão almejada possibilidade de acesso irrestrito à informação e comunicação. Finalmente a pessoa comum pode publicar e acessar informações, bem como se comunicar individual ou coletivamente com qualquer pessoa ou grupo no planeta.

Antes da Internet, poucas pessoas detinham o poder de informação e comunicação. As informações eram produzidas apenas por poucos autores que podiam publicar suas idéias nas enciclopédias, livros, revistas e jornais. As emissoras de televisão e rádio também tinham em suas mãos os meios para levar informações às pessoas, mas poucos podiam escolher que tipo de informação seria veiculado. E mesmo assim, a comunicação, nesses casos, era unilateral. Poucos falavam, muitos ouviam, e os que ouviam não podiam interagir com os que falavam.

Os meios de comunicação mais populares que permitiam interação eram as cartas, que só podiam conduzir textos e imagens, ou o telefone, que só podia conduzir sons. Mesmo assim, esses meios só permitiam a comunicação entre duas pessoas.

A Internet, que é por definição uma grande rede que permite a conexão de computadores no mundo inteiro, representou uma revolução nas formas de acesso à informação e comunicação das pessoas.

Por meio dela hoje é possível o acesso às informações e à comunicação em diversos formatos e direções. A informação na Internet se apresenta em forma de texto, som, imagem estática (fotografia), e vídeo (imagem dinâmica), tudo isso separado ou integrado. Além disso, a comunicação via internet pode se dar entre duas pessoas, de uma para várias, de várias para uma, e de várias para várias. Ou seja, em todas as direções possíveis.

Mas o melhor é a possibilidade de qualquer pessoa se tornar produtor de conhecimento, formador de opinião, autor de publicações. A democratização da informação e da comunicação gerou novos desafios. Hoje, não é difícil encontrar a informação, mas o excesso de informação exige de nós a capacidade de organizar, selecionar, analisar e avaliar a informação para poder aplicá-la em nossa vida, transformando a informação em conhecimento, dando, assim, sentido para a informação.

Equipe: “Virtual ou Real?” – O que a tecnologia afetou ou afeta a vida das pessoas?

Profª Paloma

Antes de falar sobre o impacto da tecnologia na vida das pessoas, creio que seja importante lembrar o que é a tecnologia.

Tudo aquilo que não existia até que o homem o inventasse, é tecnologia. Desde os primórdios o homem cria recursos, inventa coisas, com o intuito de resolver problemas do seu dia-a-dia.

Essas invenções não são necessariamente objetos tecnológicos, como a roda, as ferramentas, etc. Mas são também recursos com a escrita e os números, sem os quais não é possível imaginar como viveríamos hoje.

Essas foram, talvez, as primeiras tecnologias criadas, e sem dúvida mudaram a vida da humanidade, pois influenciam decisivamente a nossa vida até os dias atuais. Depois disso muitas, mas muitas tecnologias, mesmo, foram criadas. Algumas existiram durante um tempo, e depois desapareceram, por não terem mais utilidade. Outras existem até hoje, e novas tecnologias foram criadas a partir delas.

A eletricidade, por exemplo, é uma grande solução tecnológica, a partir da qual muitas outras tecnologias foram criadas. Quantos objetos tecnológicos nós temos hoje em nossas casas que dependem da eletricidade para funcionar? Como viveríamos hoje sem esses equipamentos ou sem a eletricidade?

Eu sei que ainda há lugares em que não se vive com energia elétrica, mas os hábitos de vida das pessoas que vivem em lugares assim são completamente diferentes dos nossos.

Por isso, quando pensamos na diferença que a tecnologia faz na vida das pessoas, devemos primeiro pensar em quem são essas pessoas, onde e como elas vivem, e aí podemos avaliar as contribuições da tecnologia.

É lógico que, embora ela seja criada para resolver problemas, às vezes a tecnologia causa mais problemas do que resolve. Especialmente porque algumas tecnologias sofisticadas custam muito caro para serem desenvolvidas. E normalmente quem está disposto a pagar por isso são pessoas ou governos que têm interesses às vezes, digamos, não tão nobres. As armas, as bombas e outros recursos bélicos (recursos usados na guerra), por exemplo, são tecnologias que mais destroem do que constroem algo de bom para as pessoas, embora elas sejam desenvolvidas sob o pretexto de proteger as nações umas das outras.

Os remédios e os procedimentos cirúrgicos que salvam vidas também são tecnologias “do bem”, mas muitos remédios são utilizados como drogas, e acabam matando as pessoas. Vejam o exemplo do Michael Jackson.

A própria Internet foi uma tecnologia criada na guerra, para permitir a troca de informações do exército americano. Depois de atender aos objetivos iniciais, ela acabou sendo disponibilizada às universidades e depois ao restante da população, e tem servido tanto para coisas boas quanto para coisas ruins, como a pedofilia, os roubos de identidade e informações bancárias, etc.

Sem dúvida a tecnologia afeta direta e intensamente a vida de cada um de nós. Precisamos cuidar para não deixar que ela nos prejudique, mas sim que nos ajude. Para tirar melhor proveito dela, precisamos conhecê-la. E precisamos estar bem informados quanto aos riscos a que ela nos expõe. A informação é nossa principal arma.

Equipe: “Virtual ou Real?” – Porque você se interessou pela área da tecnologia e comunicação?

Profª Paloma

Eu sempre fui professora, sempre trabalhei na área da educação. Entretanto, durante um pequeno período em minha vida, acabei indo trabalhar em uma empresa pequena que vendia computadores, instalava redes, criava sites, e oferecia suporte técnico em informática nas empresas. Eu trabalhava na área administrativa e financeira, mas em uma empresa pequena a gente acaba fazendo de tudo, e aos poucos eu fui aprendendo a usar bem a tecnologia.

Às vezes eu até ficava incomodada, pois eu me sentia como um peixe fora d’água, como alguém que estava perdendo tempo longe da área em que realmente gostava de trabalhar, que era a educação.

Até que um dia eu voltei a dar aulas em uma escola da rede pública. Nessa época havia um projeto de implantação de laboratórios de informática em todas as escolas daquela rede, e me convidaram a fazer parte da equipe que iria trabalhar com tecnologia.

No começo eu não conseguia perceber muito bem como a tecnologia poderia ajudar a melhorar a aprendizagem dos alunos, porque a minha experiência era com o uso da tecnologia na empresa, e não na escola.

Por outro lado, eu era uma das poucas professoras daquela rede que entendia razoavelmente bem de tecnologia, e esse conhecimento me ajudou a ter mais facilidade no desenvolvimento do trabalho pedagógico com as novas tecnologias da informação e comunicação.

Assim eu comecei a estudar bastante sobre educação e tecnologia, e me apaixonei de vez por essa área quando percebi que a tecnologia realmente poderia transformar a aprendizagem dos alunos, e mesmo dos professores, em uma experiência mais gostosa, rica, agradável, significativa.

Equipe: “Virtual ou Real?” – Como trabalhar com o virtual sem se desligar do real?

Profª Paloma

A idéia de que o virtual está desvinculado do real é um mito, que precisa ser desmitificado.

O mundo virtual nem sempre é desvinculado, ou separado, do mundo real. Quando utilizamos os meios virtuais para nos comunicar com outras pessoas, por exemplo, apenas o meio é virtual, mas a comunicação e as pessoas com as quais nos comunicamos são reais.

Quando usamos o meio virtual para ler jornais ou artigos, estamos apenas usando o virtual como meio, mas as notícias e as idéias que lemos e discutimos falam do mundo real, das pessoas que estão por trás daqueles textos, imagens, etc.

Por isso, o fato de trabalharmos com o virtual, por si só, não é uma ameaça á nossa vida real.

Há, entretanto, duas situações em que o virtual pode afastar as pessoas do real.

Uma é quando a pessoa simplesmente não consegue realizar outra atividade, sem ser utilizar o computador. Há pessoas que passam horas, ou até dias, na frente do computador, e começam a ter uma série de problemas.

Entretanto esse não é um problema da relação do virtual com o real. Esse é um problema de falta de equilíbrio na vida. Tudo o que é demais, faz mal. Tudo o que é exagerado, prejudica. Mesmo as coisas boas.

Alguém que passa o dia inteiro comendo, ou jogando cartas, ou bebendo, ou brincando, ou realizando qualquer outra atividade, que se torne a única atividade que a pessoa pratica, certamente terá problemas sérios.

Precisamos manter um equilíbrio saudável em relação à rotina de atividades que estabelecemos para nós. Equilíbrio, aliás, é um cuidado que temos de ter em todas as áreas da nossa vida.

A outra situação em que o virtual pode afastar a pessoa do real é quando, em determinados ambientes virtuais, a pessoa cria uma identidade falsa, e acaba gostando tanto de poder ser aquela personagem que ela criou, que passa mais tempo naquele ambiente virtual, sendo quem não é, do que no mundo real, sendo quem de fato é. Essa é uma situação muito perigosa, em que a pessoa precisa de ajuda psicológica para superar sua dificuldade.

Fora essas duas situações, devemos utilizar todos os benefícios do mundo virtual sem culpa, “sem medo de ser feliz”.

Equipe: “Virtual ou Real?” – O uso exagerado da internet pode prejudicar? Por quê?

Profª Paloma

Acho que acabei já respondendo a essa questão.

Tenho por princípio que o uso exagerado de qualquer coisa é prejudicial. E isso não é diferente em relação à Internet.

O outro ponto é que a Internet, assim como qualquer tecnologia, não é boa nem má. O uso que se faz da tecnologia é que pode ser prejudicial ou benéfico. Cabe a nós, escolhermos como queremos usá-la.

As crianças e os adolescentes precisam de bastante orientação, pois são os principais alvos de pessoas mal intencionadas que usam a Internet para prejudicar os outros, embora os adultos também o sejam.

Equipe: “Virtual ou Real?” – Você acha que as pessoas utilizam a tecnologia/internet/comunicação adequadamente?

Profª Paloma

Como eu já disse, creio que há aqueles que usam bem, aqueles que usam mal e há os que nem usam.

Tenho trabalhado ao longo dos últimos anos para que as pessoas que não usam descubram na tecnologia, na Internet, nos meios virtuais de informação e comunicação, uma ferramenta empolgante de aprendizagem e exploração do mundo. E os que já as usam, que aprendam a usar cada vez melhor.

Esse é um dos meus principais objetivos.

Equipe: “Virtual ou Real?” – O que você diria para as pessoas que gostariam de seguir a mesma profissão?

Profª Paloma

Eu diria duas coisas:

Primeiro que é uma profissão muito interessante, onde a gente vive aprendendo coisas novas, pois a tecnologia evolui com uma rapidez incrível. Por isso para se trabalhar nessa área a pessoa precisa gostar de aprender, de fuçar, de descobrir, de explorar o desconhecido.

Em segundo lugar eu diria que um dos escopos do meu trabalho, especificamente a formação de professores para o uso da tecnologia, está em risco extinção. Esse trabalho só existe porque ainda há professores que não sabem usar a tecnologia. Entretanto, dentro de poucos anos, quando aqueles que hoje são alunos, crescerem e se tornarem professores, então meu trabalho não será mais necessário.

A geração interativa, a geração digital, que nasce mergulhada no mundo da tecnologia, não terá a menor dificuldade para lidar com esses recursos.

Quando isso acontecer, o foco do meu trabalho continuará sendo o pensar em formas de utilizar, ou até mesmo desenvolver, novas tecnologias capazes de melhorar cada vez mais a qualidade da educação.

Equipe: “Virtual ou Real?” – O que você acha sobre a nanotecnologia?

Profª Paloma

É uma tendência. Os primeiros computadores eram imensos, ocupavam salas imensas. A evolução da tecnologia foi no sentido de aumentar a potência na mesma proporção em que diminuía o tamanho dos equipamentos.

Hoje a nanotecnologia é uma realidade que saiu das telas dos filmes de ficção para ocupar os nossos computadores, vídeo games, celulares e vários outros equipamentos.

A nanotecnologia não está presente apenas na informática, mas na medicina, na farmácia, na química, física, etc. Tecnologias cada vez menores e mais eficientes caminham nessa direção.

Equipe: “Virtual ou Real?” – Como você acha que será o futuro pensando nos avanços tecnológicos e nas relações interpessoais e profissionais?

Profª Paloma

Pensando especificamente na questão das relações interpessoais e profissionais, e na influência que os avanços tecnológicos exercem sobre essas questões, podemos dizer que o futuro será daqueles que melhor souberem utilizar a tecnologia na construção de relacionamentos.

De um lado, a tecnologia hoje já aproxima as pessoas, permitem que umas conheçam melhor as outras, permite a interação, a colaboração entre elas. Por isso as redes sociais como Facebook, Twitter, Orkut, são um fenômeno que não param de crescer.

Por outro lado o mundo está se tornando cada vez mais complexo. Os conhecimentos que existem hoje são muito mais diversificados do que os que existiam há anos atrás. O mercado precisa lidar com essa diversidade. Por isso o especialista de uma única área cada vez menos atende às demandas do mercado. É impossível um único profissional dar conta de entender de tudo o que ele precisaria entender para atender à necessidade do mercado.

Por isso a tendência é que, cada vez mais, as pessoas trabalhem em equipe, articulando diversos saberes, diversas experiências. Por isso o futuro será daqueles que melhor souberem lidar com as pessoas, que melhores habilidades de comunicação desenvolverem, que souberem trabalhar em equipe, que souberem exercer liderança descentralizada, que souberem articular a equipe em torno de um objetivo comum.

Equipe: “Virtual ou Real?” – Como você acha que será o mercado de trabalho futuramente?

Profª Paloma

Como eu mais ou menos já disse, o mercado de trabalho exigirá cada vez mais profissionais criativos, com uma visão mais ampla do negócio, e cada vez menos profissionais super especializados. Isso significa que não basta os jovens aprenderem muito sobre um determinado assunto. Eles devem aprender um pouco de tudo, embora devam, também, se aprofundar em algumas áreas que considerem mais interessante, que tenham maior interesse.

Aliás, esse é um dos segredos do sucesso profissional e até pessoal. Vocês que são jovens têm em suas mãos a possibilidade de escolher trabalhar em algo de que realmente gostam. Se tiverem essa oportunidade, não a desperdicem. Não percam o tempo de vocês fazendo algo de que não gostam, só para fazer alguma coisa… Isso impactará diretamente em sua realização profissional e pessoal, em sua qualidade de vida.

Não importa qual seja a área. Os jovens devem procurar ser bons naquilo que escolherem fazer, e serão bem sucedidos. Ou melhor: deverão escolher fazer aquilo em que são bons – criativamente encontrando formas de ganhar dinheiro fazendo aquilo de que gostam e em que são bons.

Os profissionais do futuro deverão saber exercer liderança e trabalhar em equipe. Deverão saber resolver problemas, e isso com autonomia. Por isso as habilidades e competências relacionadas à busca e análise de informações, bem como a comunicação serão muito importantes. Sem informação e comunicação não é possível a resolução de problemas, nem a construção de relacionamentos. E aqui entram as tecnologias da informação e comunicação.

O Brasil deve experimentar um crescimento bastante interessante nos próximos anos, seja pela estabilidade econômica, seja pela estabilidade política. Esse cenário tem trazido conquistas importantes para o país, como a Copa do mundo e as Olimpíadas. Quem se preparar para crescer junto com o país, encontrará espaço.

Não deixem as oportunidades passarem…

Equipe: “Virtual ou Real?” – Você poderia abordar um pouco sobre os temas: tecnologia e os jovens de hoje.

Profª Paloma

A despeito do conceito de tecnologia que eu falei há pouco, alguém disse uma vez que “tecnologia é tudo aquilo que foi inventado depois que você nasceu”… Essa afirmação é bastante interessante. De fato há muita tecnologia presente na vida das pessoas que, por já fazer parte do cotidiano, nem tem mais cara de tecnologia.

A energia elétrica, como eu mencionei, está tão presente na maioria absoluta das casas das pessoas, que nós quase nem notamos sua presença (a não ser em tempos de apagão…), por isso não nos referimos à eletricidade como tecnologia, embora ela seja.

Um dia desses uma professora, para quem eu dei um curso, compartilhou que quando ela era pequena uma tia dela a elogiava bastante dizendo que ela era muito inteligente e esperta, pois sabia lidar com “aqueles botões complicados”. Essa frase é bastante comum também hoje em dia quando vemos crianças pequenas manejando com grande habilidade um celular ou um computador. Entretanto os botões a que a tia daquela professora se referia eram os do liquidificador, que era uma grande novidade tecnológica na época.

Portanto, aquilo que na escola chamamos de “novas tecnologias” (normalmente os computadores), praticamente nem é considerado tecnologia para os alunos de hoje.

Isso porque o computador foi popularizado no Brasil, seguramente, há mais de 15 anos. Portanto, essa geração que hoje está no Ensino Fundamental II, ou mesmo no Ensino Médio, não vê o computador como uma tecnologia nova, mas como algo que é parte de seu dia-a-dia, de seu habitat. Algo que ele conhece desde que começou a se entender por gente.

Essa geração digital também está habituada a lidar com o lançamento de novas tecnologias, isso porque essa geração vive em uma época em que os avanços tecnológicos acontecem em uma velocidade cada vez mais rápida. Por isso, os nativos digitais não só lidam bem com a tecnologia presente, mas também com a tecnologia futura.

Restará a essa geração saber usar bem a tecnologia, de forma ética, responsável, para melhorar a qualidade de vida das pessoas, para a sustentabilidade do planeta, incluindo a espécie humana.

Está nas mãos de vocês…