A Educação e as Verdades Absolutas

Quem de nós nunca acreditou em verdades absolutas?

Especialmente durante nossa vida escolar somos bombardeados com informações que nos são apresentadas como verdades incontestáveis.

Aprendemos, por exemplo, que Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil em 1500; que uma ilha é uma porção de terra cercada de água por todos os lados; que todo ser humano nasce, cresce, se reproduz e morre; que o Brasil encontra-se na América do Sul, abaixo dos Estados Unidos, que fica na América do Norte; dentre várias outras verdades. Quase todas essas verdades são reforçadas por meio dos conhecidos exercícios de “verdadeiro ou falso”, em que apenas uma resposta é verdadeira. E desde muito cedo aprendemos a não pensar sobre a veracidade de fato ou origem dessas informações, afinal, isso é parte do conhecimento historicamente acumulado e ponto.

Não é sem razão que muitos de nós passa a vida inteira acreditando em verdades absolutas. E a maioria passa a vida inteira tentando conhecer esses conceitos, descobertas ou invenções que parecem já ter nascido junto com a humanidade, ou que, quando muito, parecem ter sido criadas por seres iluminados, muito diferentes de nós, pobres mortais.

Há alguns anos eu comecei a entrar em crise em relação a essa ideia de “verdade absoluta”. Na ocasião eu estava retomando a docência no Ensino Fundamental, após passar aproximadamente seis anos afastada da área. Em meu programa curricular estava previsto que eu deveria ensinar aos meus alunos o que era o Efeito Estufa. Então eu tentei resgatar em minha lembrança o que eu sabia sobre esse assunto, e percebi que meu conhecimento era muito superficial. Eu apenas me lembrava que ele era um vilão, um “cara do mal”, que estava tentando acabar com a humanidade.

Decidi então pesquisar um pouco sobre o assunto. Consultei alguns livros didáticos que estavam disponíveis na escola em que eu trabalhava, na rede pública, e verifiquei que eu estava no caminho certo. Mas achei que os livros também falavam muito superficialmente sobre o assunto.

Felizmente eu estava retomando minha carreira na era da Internet. Cheguei em casa e resolvi fazer uma pesquisa em um site de busca muito menos sofisticado do que o atual Google, afinal o ano era 2001, e naquele tempo, não apenas as ferramentas de busca na rede eram precárias, como também o conteúdo disponível para consulta era um sem número de vezes menor do que hoje. Mesmo assim encontrei uma homepage de um estudante de biologia que me apresentou uma versão completamente nova da ideia de efeito estufa.

Segundo aquele estudante, o efeito estufa era um fenômeno natural de concentração de gases na atmosfera, que têm como característica a capacidade de reter o calor do sol. Não são todos os gases que têm essa capacidade térmica, mas os do efeito estufa têm. Graças a essa capacidade, é possível haver vida na Terra. Não fosse o efeito estufa, a temperatura média da terra seria de –18ºC, o que inviabilizaria a sobrevivência senão de todas, da maioria das espécies, incluindo a espécie humana.

Meu mundo caiu… Então eu quis entender como o efeito estufa, de mocinho, havia se tornado um vilão, e descobri que um dos gases do efeito estufa é o CO2, mais conhecido como Gás Carbônico. Com o aumento de emissão de Gás Carbônico na atmosfera, ou seja, com o aumento da poluição do ar, ocorreu uma concentração muito acima do normal desse gás (dentre outros gases), provocando o aumento da temperatura até um patamar que oferece risco ao equilíbrio ecológico.

Então, na realidade, a vilã é a poluição, e não o efeito estufa.

Posso dizer que meus alunos tiveram uma experiência de aprendizagem muito rica, pois percorri junto com eles todo esse caminho, e eles não apenas aprenderam o que era o efeito estufa, conforme estava previsto no meu conteúdo programático, mas também aprenderam a desconfiar de algumas informações que são passadas nos livros como se fossem verdades absolutas.

Pouco tempo depois li uma reportagem na revista Veja (que lamento não ter guardado), que dizia que o quilo estava ficando mais leve. Achei muito interessante o título. Percebi que estava diante da quebra de outro paradigma, afinal nunca havia parado para pensar em quem havia definido que um quilo pesava um quilo, e nem imaginei como e quando isso teria acontecido.

Embora eu não tenha aquela matéria, encontrei um artigo correlato no site da agência FAPESP, escrito em 2005, que explica esse fenômeno (“O quilo não pesa um quilo”), que eu acho que vale a pena ser lido, pois mostra a fragilidade de alguns conhecimentos científicos que são tidos como as verdades mais absolutas possíveis.

Para reafirmar essa fragilidade do conhecimento científico, desde o dia 24 de Agosto de 2006, portanto há cinco anos, toda a Terra foi surpreendida com a notícia de que o planeta Plutão, que sempre foi planeta (desde que eu me conheço por gente), simplesmente deixou de ser, por uma decisão da comunidade científica.

Essas verdades absolutas são contadas aos alunos não apenas do Ensino Básico, mas também, e principalmente, do Ensino Superior. No mundo acadêmico, quando se pronuncia a palavra “científico”, as pessoas parecem ter não apenas a impressão, mas a certeza de estarem falando de uma verdade absoluta.

Hoje cedo vi um link compartilhado em um grupo de discussão do Facebook, que trazia uma reportagem da revista Galileu Galilei abordando exatamente essa questão. A matéria intitulada “Desconfie da Ciência” denuncia outro tipo de distorção que a comunidade científica acaba provocando (com ou sem intenção). A forma como se divulga uma pesquisa científica pode ser muito perigosa, levando as pessoas a acreditarem em fatos que não são verdadeiros.

Que nós educadores estejamos atentos ao conhecimento historicamente acumulado, tendo sempre um olhar crítico, e valorizando muito mais o processo por meio do qual ele foi construído, do que o produto supostamente final desse processo.

E que tenhamos consciência do nosso papel na formação de alunos também críticos, que sejam muito mais autores do que consumidores de conhecimento.

[Este artigo foi originalmente publicado no Blog “Tec Educ” do Colégio Visconde de Porto Seguro, em Agosto de 2011 – http://teceduc.portoseguro.org.br/a-educacao-e-as-verdades-absolutas/]

Um comentário sobre “A Educação e as Verdades Absolutas

  1. Olha, goste muito to texto “A Educação e as Verdades Absolutas”.
    Parabéns!

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