Aprendemos o tempo todo, mas raras vezes paramos para pensar sobre como aprendemos. Desafiada pelos meus professores Fernando Almeida e Graça Moreira, busquei em minha adolescência uma experiência de aprendizagem sobre a qual gostaria de refletir.
O processo foi interessante, e o resultado está registrado a seguir:
Aprendendo a Dirigir
Minha aprendizagem de direção foi bastante significativa.
Informalmente, eu aprendi a dirigir aos 16 anos de idade. Digo informalmente porque não foi na autoescola. Na ocasião eu morava em Ubatuba, e tinha um namorado que tinha um fusca. Tinha a impressão de que já sabia tudo o que eu deveria saber para conseguir dirigir, pois sempre observei meu pai dirigindo, com foco em tentar entender como ele fazia para conduzir o carro. Então percebi que a observação focada é um fator muito importante para a aprendizagem.
Identifiquei rapidamente que os componentes básicos envolviam 3 pedais, um para acelerar, um para frear e um para mudar de marcha; um câmbio com 4 ou 5 marchas, além da ré; e o volante. A função de cada um desses componentes estava clara. O câmbio era o mais abstrato, pois era muito sutil a diferença entre uma marcha e outra, com exceção da ré, que era a única inconfundível. Não bastou observar. Precisei perguntar a ele a função de cada um dos componentes, com exceção do volante, que percebi sozinha como operava. Talvez por ter, quando criança, dirigido carrinhos movidos a pedais dotados de volantes muito parecidos com os dos carros de verdade.
O desafio era entender como articular todos esses comandos, especialmente a aceleração concomitante à desembreagem (acabei de inventar esse termo), no tempo certo, empregando a força certa nas pernas, para que o carro saísse do lugar e não morresse ao mesmo tempo. Só a prática foi capaz de me ensinar isso…
Quando sentei no carro pela primeira vez para dirigi-lo, notei que havia vários outros fatores envolvidos. Primeiro o posicionamento do banco. Meus pés tinham de, não apenas alcançar os pedais, mas o suficiente para pisar neles deslocando-os até o fundo. Para isso, não basta mover o banco para frente. O encosto também desempenha uma função importante nesse processo.
Depois me deparei com o processo de ligar o carro, girando a chave na ignição e acelerando levemente o carro (pois naquela época poucos carros, se é que havia algum, possuía injeção eletrônica). Parecia algo simples, mas a chave não virava, pois era necessário virar um pouco o volante, de modo a destravá-lo. Esse macete eu tive de aprender antes de conseguir ligar o carro pela primeira vez.
Outro componente novo para mim era o freio de mão, que, quando acionado, dificultava significativamente a saída do carro do lugar. No meu caso apenas dificultava, pois o carro era tão velho e cheio de problemas, que era capaz de andar mesmo com o freio de mão puxado. Depois aprendi que carros bem ajustados não andam quando o freio de mão está puxado.
Além desses itens novos, notei que havia um conjunto de espelhos que deveria estar posicionado de modo que eu pudesse visualizar algumas partes externas do carro. Inicialmente era difícil imaginar que parte do carro precisava ser vista de dentro. Depois de tentar tirar um carro estacionado entre outros dois, foi fácil perceber que eu precisava visualizar, por exemplo, a lateral, de modo que não raspasse nos carros ao lado.
Por fim eu notei que havia uma ordem mais adequada para proceder com todos esses ajustes. O freio de mão, por exemplo, só deveria ser desacionado após o carro já estar ligado. E o carro só deveria ser ligado após os espelhos e bancos estarem ajustados. Os espelhos, por sua vez, só deveriam ser ajustados depois que o banco estivesse posicionado no lugar certo. Hoje parece simples, mas no início era difícil saber o que fazer primeiro.
Após algumas tentativas mal sucedidas, finalmente consegui tirar o carro do lugar e andar alguns metros sem que ele morresse. Descobri que a embreagem e o freio possuem uma relação de dependência desigual. Com o carro em movimento, o freio jamais pode ser acionado sem que a embreagem o acompanhe. Mas ela, a embreagem, não depende do freio para ser acionada. Assim percebi que a embreagem funciona como parceira tanto do freio (na hora de parar o carro) quanto do acelerador (na hora de colocar o carro em movimento).
Depois eu fui descobrindo a função de outros componentes como, seta, farou baixo, farol alto, farol de milha, farol de neblina, lanterna, limpador de para-brisa, pisca alerta, limpador de para-brisa, cinto de segurança (que naquela época era completamente dispensável), etc., além do painel com todas aquelas informações sobre velocidade, combustível, óleo, temperatura, etc. Há realmente muitos recursos no carro e é muito difícil aprender a usar cada um deles. Mas é mais difícil ainda coloca-los todos em funcionamento, simultaneamente, quando necessário.
Em Ubatuba não havia semáforos. Então demorou muito tempo até que eu conseguisse aprender a dirigir olhando para os semáforos e para o chão ao mesmo tempo. Em minhas primeiras experiências de direção em São Paulo, já devidamente habilitada, inúmeras vezes passei pelo farol vermelho. Normalmente quem me acompanhava é que me perguntava se eu havia notado que tinha passado por um farol vermelho, mas eu sequer tinha visto o farol, quanto mais a cor que ele estava exibindo… Por sorte nunca sofri nenhum acidente (e nem causei), e, também por sorte, não havia o atual código de trânsito e nem a atual fiscalização eletrônica, senão eu certamente teria perdido minha habilitação.
Por outro lado, por morar em Ubatuba, muito cedo aprendi a transitar em rodovias, como a Rio – Santos e a Oswaldo Cruz, que liga Ubatuba a Taubaté. Dirigir em rodovia é bastante complexo. Na estrada, por exemplo, há o desafio da ultrapassagem. O carro que vem no sentido contrário chega muito mais rápido ao seu lado, do que você pode imaginar. Portanto, aprendi que só poderia ultrapassar quando não houvesse carros vindo no sentido contrário há uma boa distância, que em metros, até hoje não sei dizer quantos são.
Na estrada os carros mantém uma boa distância uns dos outros, e essas pistas nas quais eu andava eram de mão dupla. Assim, fiquei bastante confusa e com torcicolo quando andei pela primeira vez na Marginal Tietê em São Paulo. Vários carros andando lado a lado, em velocidades diferentes e trocando de faixas todo o tempo me proporcionou uma experiência bastante tensa!
Mas o pior foi quando andei por uma rua apertada, com carros estacionados dos dois lados, e, de repente, me deparei com um carro vindo de frente em direção ao meu. Era óbvio que não seria possível passarmos os dois por aquele espaço apertado. Desesperada, larguei a direção, o acelerador, a embreagem e apenas me lembrei de pisar no freio com tudo. Depois do tranco, o carro morreu meio de lado na rua. Nervosa, ainda tive de ligar o carro novamente, engatar a ré, e recuar alguns metros para dar passagem para aquele outro carro inconveniente…
Em termos teóricos a autoescola foi a que mais me auxiliou, embora muita coisa eu já soubesse desde criança. A sinalização de trânsito que importa, como por exemplo, as placas de proibido estacionar, contramão, proibido ultrapassar, ou as faixas de proibido ultrapassar, por exemplo, eu já sabia pela observação e pergunta. O semáforo eu já sabia desde antes de me conhecer por gente. Nem sei explicar como, mas o fato é que eu já sabia que vermelho era para parar, verde para andar, e amarelo para ficar atenta, pois ele ficaria vermelho em seguida.
Na autoescola aprendi sobre outras placas e sinalizações que eu desconhecia, e aprendi sobre outras tantas que eu nunca mais vi em lugar nenhum, senão no livrinho da autoescola. Lá eu também aprendi legislação de trânsito. Todo esse aprendizado foi bastante útil para a prova teórica que eu fiz, e na qual fui aprovada com nota máxima. Pouco daquilo foi útil para o exercício prático da direção. Mesmo porque, até a legislação de trânsito daquela época já ficou ultrapassada.
O que eu aprendi na autoescola que me foi útil para a vida inteira foi como estacionar o carro. Aprendi um truque de baliza, posicionando o farol do carro de trás em determinado ponto do espelho retrovisor, e controlando as manobras para frente e para trás, que até hoje, quando vou estacionar, procuro seguir. No carro da autoescola havia uma marquinha em forma de “X” no vidro do carro e no espelho retrovisor que era infalível. Quando apliquei a técnica em outro carro, calculei aproximadamente aquelas distâncias.
Minha aprendizagem contou, portanto, com a colaboração de diversas pessoas (pai, namorados, instrutor da autoescola), mas também com a minha capacidade de observar, elaborar questões e ir em busca de respostas, refletir sobre as informações recebidas, estabelecer relações entre as informações novas e os meus conhecimentos prévios, praticar repetidas vezes buscando corrigir falhas ou aperfeiçoar procedimentos, etc.
Hoje entendo que dirigir é uma Competência, segundo o conceito de competência de Philippe Perrenoud, pois, para dirigir não basta conhecer coisas. Antes, é necessário mobilizar uma série de conhecimentos, habilidades e atitudes para conduzir o carro com eficiência e em segurança.
Em São Paulo, 01 de Junho de 2011